sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os Pretos-Velhos na Umbanda Branca

Por: Gregorio Lucio

Gostaria, de tratar, neste breve texto, a respeito de uma das Correntes Espirituais mais populares e ancestrais do universo religioso da Umbanda: os Pretos-Velhos. 

Os Pretos-Velhos e Pretas-Velhas constituem umas das entidades mais populares dentro da Umbanda. Embora sua devoção já tenha sido maior. Historicamente, ao estudar o desenvolvimento social da Umbanda, veremos que por volta da década de 20 e 30 do século passado (século XX), os pretos-velhos encontravam-se entre as entidades mais populares nos terreiros de umbanda. 

A partir da década de 50 e 60, com a inserção dos “novos” Guias e Mentores como elementos cultuais nos terreiros, como os Baianos (conforme já tratei em texto anterior), os quais viriam para aprofundar e desdobrar as simbologias espirituais fundantes das Leis de Umbanda (Caboclo – Boiadeiro / Preto-Velho – Baiano / Criança – Marinheiro) principalmente na região Sudeste e Sul do Brasil, sua devoção acabou sendo “dividida” com esses novos “personagens” do imaginário umbandista. No nordeste brasileiro, no entanto, a devoção aos pretos-velhos continua sendo a principal dentro dos terreiros de Umbanda.

As manifestações dos Espíritos dos Pretos-Velhos são encontradas desde o século XVIII, ainda no nordeste, nas práticas do Catimbó. Pai Joaquim, Pai José e Pai João, Vovó Maria Conga, Vovó Cambinda, são alguns dos pretos-velhos mais antigos e já conhecidos desde aquelas épocas.

Nos Terreiros que se espalham pelo Brasil, os Santos que mais são vistos como regendo as Correntes dos Pretos-Velhos são: São Cipriano, São Miguel, São Roque, São Lázaro, São Benedito, Santo Antônio e Nossa Senhora.

A apresentação como ex-escravos, de roupas batidas, ou até com os dorsos desnudos, assim como o corpo arqueado, a que muitas vezes submetem seus médiuns quando da sua incorporação, simbolizam, por meio do gesto e da postura corporal, uma mensagem de humildade, de resignação e, ao mesmo tempo, de firmeza (que pode ser percebida pelo médium, pela impressão de “força” e “peso” que são transmitidas ao longo do transe). Além disso, essas expressões traduzem o imaginário e a idealização da senilidade (velhice) como sendo o momento em que o homem atinge a compreensão da verdade da vida, do valor do desapego, da transitoriedade e da impermanência das coisas, das pessoas e de si mesmo, e da realidade da morte não como aniquilação da vida, mas como uma passagem para essa mesma vida, só que em uma outra condição.

Na Umbanda, os Pretos-Velhos representam Espíritos de envergadura moral ilibada, a qual se comprova justamente pela condição em que se expressam. A fala breve e simples, demonstram justamente uma desvinculação da sabedoria e do conhecimento da intelectualidade, mostrando-os como não sendo, necessariamente, ligados a formação intelectual. O linguajar “difícil” e informal, une-se ao recurso didático das historietas, nas quais relatam experiências de suas próprias vidas, seja no diálogo direto com o filho-de-fé, seja por meio da inspiração de seus pontos cantados, reforçando essa conotação. 

Psicologicamente, os Pretos e Pretas-Velhas traduzem e ensinam aos filhos-de-fé e, especialmente, aos seus médiuns (por meio dos conteúdos que trazem e depositam nos “registros interiores” do cavalo-de-santo ao longo do trabalho espiritual), os sentimentos e as qualidades morais de Humildade, Renúncia, Honestidade, Perdão, Resignação, Simplicidade, Paciência e Sabedoria. Desta forma, incentivam os tutelados (médiuns ou não) pela inspiração, a desenvolverem estas qualidades morais mediante as provas que vivenciam durante a sua encarnação.

A postura paternal/maternal, alternando o tom firme e enérgico, a depender da lição a ser dada ao filho-de-fé, traduzem o quanto a atuação destes Guias e Mentores está ligada à célula-mater da nossa sociedade: a família. Não à toa, por razões culturais-históricas e espirituais (a valorização, pela cultura Banto, das relações da família, o culto aos ancestrais e espíritos familiares), os Pretos-Velhos carregam consigo, em suas identificações, a designação de Pai, Mãe, Tio, Tia, Vovô e Vovó. Seus trabalhos giram muito em torno da Cura (principalmente, espiritual) e da abertura de Caminhos dos filhos-de-fé no que diz respeito às necessidades da FAMÍLIA (doenças infantis, problemas entre cônjuges, desemprego, desafios da velhice e das dificuldades de variadas ordens que atingem a família como um todo). Suas mandingas, no sentido da manipulação de forças mágicas e espirituais, com as quais tratam de problemas do corpo, da abertura de caminhos, do afastamento de influências espirituais negativas e da limpeza espiritual dos lares, são sempre voltadas para o benefício daqueles que necessitam de sua caridade.

Outro detalhe bastante interessante dentro da Umbanda, nesta relação que existe entre os Pretos-Velhos e a Linha das Almas, seria a presença, nos terreiros, de símbolos como o Cruzeiro, a Cruz e as Velas. Isso por que na Umbanda, principalmente naquelas tradições que se aproximam mais dos referenciais cristãos (como a Umbanda Branca, por exemplo), há a compreensão da evolução espiritual por meio da redenção das almas, do sacrifício provacional e da prática dos princípios do Evangelho, pelas quais estes Seres Espirituais, que hoje manifestam-se como Pretos-Velhos, teriam passado, tornado-se Almas Benditas. 

Dessa forma, o Cruzeiro simboliza a memória das almas que já desencarnaram e que se encontram em passagem para o mundo espiritual. Como um portal por onde podemos vibrar e orar por estas almas e, por meio da prece, rogarmos que obtenham a Luz (o despertar, a lucidez, a descoberta, a paz interior) nessa sua nova condição de existência. A Cruz simboliza a renúncia e a renovação interior pela aceitação e pela prática dos princípio do Evangelho de Jesus. A Vela, significa a simbolização das busca constante pela iluminação interior. Por isso, acendemos velas nos cruzeiros, ofertando-as às almas dos que se foram e a intercessão das Santas Almas Benditas, além do seu Orixá Regente que é Omulu.

Por fim, gostaria de colocar que Preto-Velho e Caboclo, na Umbanda, são místicas que guardam uma riqueza simbólica profunda dentro do imaginário Umbandista. São eles quem mentoram médiuns e coletividades inteiras. São eles, elementos fundantes desta Sagrada Religião, cujos domínios no mundo espiritual vão muito além daquilo que podemos imaginar (naturalmente, a depender do seu grau de evolução). São detentores dos segredos das Leis de Umbanda, dentre elas a Lei de Pemba, a Lei do Círculo Cruzado, o Choque de Retorno, etc. São seres que guardam consigo um alto cabedal de conhecimentos sobre a natureza humana e vastíssimas experiências sobre as coisas do mundo oculto aos homens, sobre os recursos naturais, sobre a evocação e a manipulação de “energias” e seres da natureza. 

Assim, o Preto-Velho da Umbanda (da mesma forma que os caboclos, crianças, e demais guias e mentores desta religião) não tem nada a ver com os ditos pretos-velhos que são tidos como trabalhadores em Centros Espíritas (kardecistas) ou outras denominações religiosas. Digo isso pela própria experiência que possuo em reuniões espiritistas e pelos discursos kardecistas em torno da figura destas entidades espirituais. Preto-Velho, na Umbanda, da mesmo forma que as demais entidades que compõem o seu panteão religioso, vai muito além do que uma condição na qual o Espírito se encontra por ocasião de sua última encarnação, conforme já exposto nos parágrafos anteriores. O negro e o índio não continuam sendo aqueles vassalos subjugados que vêm para “limpar e descarregar” ambientes das reuniões espíritas, protegendo pessoas e sendo “comandados” por Espíritos de “ordem superior”.

Portanto, quando dizemos que os Guias e Mentores não fazem diferença entre si, estando eles como trabalhadores em diversos locais onde seu concurso de faça necessário, não devemos com isso entender, necessariamente, que o mesmo Espírito que atua num terreiro de Umbanda também pode atuar num Centro Espírita, por exemplo. Tudo isso depende dos seus laços de afinidade com ambas as vertentes religiosas e das suas Ordens de Trabalho, as quais lhe são determinadas no mundo espiritual. Nem todos os Espíritos, embora sejam Mentores de Luz, trabalham em todos os lugares.

É importante conhecer, se inteirar, e respeitar todas as propostas de trabalho voltadas à Caridade, no entanto, sem confundí-las para não empobrecermos e esvaziarmos de sentido, essa riqueza espiritual tão profunda que existe na Umbanda, ainda velada e pouquíssimo entendida por nós mesmos, seus adeptos. 

Saravá os Pretos-Velhos!