quarta-feira, 5 de março de 2014

A Visão de um Adepto: A Questão dos Níveis de Consciência

Por: Gregorio Lucio
 
“Quem tem olhos de ver, veja! Quem tem ouvidos de ouvir, ouça!” (Jesus)
 
Antes de iniciar os sermões junto ao povo que o acompanhava, Jesus pronunciava essas frases “quem tem olhos de ver, veja! quem tem ouvidos de ouvir, ouça!”
 
Naturalmente, isso não se trata de um simples recurso de retórica ou uma aplicação de oratória para chamar a atenção de seu público. Jesus, muitas vezes referia-se dessa forma por saber, mais do que ninguém, a respeito de que os seres humanos vivenciam as percepções dos seus sentidos básicos, por meio de duas dimensões diferentes: a orgânica e a psicológica.
 
Nós tomamos contato com a realidade que nos cerca e com as nossas percepções interiores por meio dos nossos sentidos orgânicos (visão, audição, tato, gustação, olfato). Desde o ato mais simples e automático de  respirar, alimentar-se ou caminhar, até as ocorrências mais diferenciadas (intuições e percepções mediúnicas), tudo isso passa pelo registro de nossos órgãos sensoriais.
 
Ver e ouvir são funções orgânicas fundamentais para podermos tomar contato com o mundo exterior. Nossa vida de relação está diretamente ligada a essas funções básicas dos nossos sentidos. É por meio do “ver” e do “ouvir” que podemos nos comunicar com o outro, trocar informações, estabelecer relações as mais diversas, constituirmos uma família, vivermos em uma sociedade. Tudo isso com a finalidade de vivenciarmos as experiências de vida que nos promovam a evolução espiritual.
 
Ou seja, nossa vida e, consequentemente, as experiências que vão promover a nossa evolução e amadurecimento como pessoas, estão diretamente conectadas com a nossa relação com o outro.Nem mesmo Deus opera na vida humana, senão por ação de outro ser humano que se faz presente em nossa vida ou em momentos dela.  Jesus se faz homem, encarnando na Terra, assim como tantos outros benfeitores que a Humanidade já conheceu (Francisco de Assis, Irmã Dulce, Madre Tereza de Calcutá, Gandhi, Chico Xavier, Nelson Mandela, e outros), justamente para nos dar essa exata noção de que Deus se apresenta na vida humana por meio da imagem e exemplos de outro ser humano, o qual possa ser o portador de Sua mensagem e auxílio.
 
Contudo, nossas questões psicológicas interferem na maneira como “vemos” e “ouvimos” as pessoas e as coisas do mundo. E essa interligação entre o ver e o ouvir e a nossa realidade psicológica nos mostra o nível de consciência no qual cada um de nós estagiamos. Transitamos todos por níveis de consciência diferentes, o que caracteriza o nível de desenvolvimento e a evolução espiritual em que cada um de nós nos encontramos.
 
Nosso nível de consciência está diretamente relacionado com as várias vivências e questões particulares que temos em nosso dia-a-dia. E, como não somos plenamente desenvolvidos em todos os aspectos de nossas vidas e de nossa individualidade, nosso nível de consciência pode se mostrar mais avançado em algum ponto, enquanto noutro ele possa se mostrar deficiente. A síntese destes diferentes aspectos do nível de consciência é que nos dá o padrão evolutivo, espiritual, no qual nos encontramos individualmente e que, por lógica, nos leva a nos relacionarmos com pessoas de nível equivalentes  e buscar frequentar lugares que se afinizem com o nosso padrão “vibratório”.
 
Quem tem olhos de ver, veja! Quem tem ouvidos de ouvir, ouça”. Essas frases pronunciados por Jesus são chamamentos de ordem psicológica que dizem respeito a esse “despertar” interior que cada um de nós deve empreender para poder saltarmos os degraus na escala da evolução espiritual. Como disse, trata-se de um despertar de ordem interna e capaz de produzir os impulsos para a modificação efetiva em nós.
 
Mas, enquanto esse despertar em nós não acontece, é compreensível a postura de negação ou de defesa que muitos assumem, demarcadas por aquelas frases sempre repetidas e já bastante conhecidas: “Eu sou o que sou! Ninguém vai me mudar!”; “sou assim mesmo, quem quiser, que goste...quem não quiser...”; “eu nasci assim, cresci assim, vou morrer assim!” (síndrome de Gabriela); “isso que você fala é muito bonito, mas é literário, não é prático, não faz parte da vida das pessoas”; “eu preciso disso pra viver!”, “é meu destino ser assim”, “eu paro (ou mudo) quando EU quiser”; etc.
 
Somando a essa postura defensiva e de negação, a pessoa também adota uma visão projetada sobre aqueles outros que, naquele aspecto, estão em um outro nível de consciência (geralmente superior), as quais esta pessoa identifica como sendo os seus “censuradores”, ou os seus “juízes”, também dentro de uma postura de transferência e de defesa por ainda não conseguir perceber a sua real condição. Geralmente vai referir-se de maneira depreciativa ao outro como “a certinha”,  “o santo”, “a moralista”, “o intelectual”, “o arrogante”, “o mestre”, etc., conquanto seja de dever e obrigação daquele que se situa num nível de consciência superior, o papel de sempre alertar, orientar e incentivar a caminhada e a “subida” de seus companheiros, sejam familiares, amigos, irmãos religiosos, etc..
 
Com a intenção de exemplificar e sem querer fazer autobiografia, gostaria de citar um breve fato que aconteceu comigo a pouco tempo atrás.
 
Não é novidade para nenhum amigo leitor de que, apesar de ser umbandista, sou um grande admirador e estudioso da Doutrina Espírita (kardecista) e, por conta disso, principalmente quando da minha vivência que começou ainda adolescente no centro espírita, participo, há mais de 10 anos, junto com minha noiva, de um Grupo de Estudos Avançados de Doutrina Espírita em uma casa espírita na zona leste de São Paulo, no qual nós enfocamos o estudo do Espiritismo em conjunto com o conhecimento da psicologia, da psicanálise, da psicologia analítica (junguiana). Nesta atividade, também realizamos o acompanhamento espiritual e psicológico de um pequeno grupo de assistidos que são pacientes de determinadas doenças de cunho psiquiátrico (depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, etc.). Justamente pela característica do grupo, as nossas leituras e discussões são muito focadas nas questões que envolvem a temática da saúde, tanto orgânica quanto psicológica. Nessas discussões, procuramos levantar exemplos de ordem prática e pertinente a vida comum de todo nós e, por diversas vezes, éramos (minha noiva, eu, e outros) solicitados a falar sobre o tema usando como exemplo o caso do tabagismo e da pessoa fumante, que como disse nós mesmos levantávamos ou éramos solicitados a falar por pedido de outras pessoas, pelo fato do hábito de fumar ser, junto com o hábito de se alcoolizar, uma prática e um costume muito presente em nossa sociedade e nas famílias.
 
Como nunca fiz segredo para ninguém, sou filho de um alcoólatra e fumante inveterado (e inclusive adicto de outros tipos de narcodependência), com o qual passei muitos anos de minha vida, tendo, eu mesmo, me tornado fumante, logo aos meus 10/11 anos de idade, fumando bitucas que meu pai deixava em seu cinzeiro ou pegando-as no chão dos bares a que meu pai me levava e de onde tenho quase que todas as lembranças junto dele. Naturalmente, depois de me tornar espírita e assumir a proposta de vida transmitida por essa Doutrina, aos 18 anos, pude libertar-me desse hábito e promover modificações drásticas na minha vida. Por isso, me dou licença para falar destes temas (alcoolismo e tabagismo, em especial) sem nenhum constrangimento e com plena segurança daquilo que digo e afirmo, pois minha vida é um exemplo vivo e simples destas modificações e mudanças que devemos empreender para a nossa melhora, tendo eu aprendido tudo isso com as pessoas e os grandes exemplos que encontrei na Doutrina Espírita.
 
Pois bem, nestas discussões tratávamos sobre o tabagismo e sobre todos os malefícios relacionados a essa doença, assim como falávamos do perfil psicológico ligado à pessoa fumante, etc., sendo acompanhado pelas intervenções de outros companheiros e do dirigente do grupo, os quais também colocavam o seu parecer, confirmando e ampliando as nossas explanações.
 
Certo dia, a pouco tempo atrás, uma companheira do grupo pediu a palavra e disse que gostaria de fazer uma confissão. Ela então nos contou que fora fumante por mais de 35 anos, mesmo já sendo espírita há um período equivalente a esse, mas que até então ela não tivera se empenhado em deixar este hábito maléfico.  No entanto, após passar tantos meses participando do grupo e ouvindo todas as vezes que abordávamos a questão do tabagismo, ela passou a se incomodar com aquilo e resolveu-se por abandonar o hábito. Ela ainda disse, e nos surpreendeu com essa revelação (porque nem fazíamos idéia de que ela era fumante), de que muitas noites de sábado ela tinha ido embora de lá “com muita raiva” de mim e de outros amigos do grupo, por causa das colocações que eu fazia repetidamente abordando o tema do tabagismo, passando até a semana toda “vibrando contra” a minha pessoa, porque as coisas que eu falava mexiam demais com as suas questões interiores. Hoje, faz 05 anos que essa companheira abandonou o vício do cigarro, após ter sido fumante por 35 anos, modificando seus hábitos e está muito mais feliz e realizada com essa grande conquista interior.
 
Ver-se liberto das amarras que nós mesmos criamos para nós, em nossa inconsciência, “não tem preço”, como diz aquela propaganda.
 
Então, o que temos aí?
 
A modificação no nível de consciência da pessoa. Ela pôde, na relação com o outro (na vivência com o grupo espírita), identificar as suas necessidades de melhoria e envidar os esforços e as medidas necessárias para ir além do nível em que se encontrava, naquele aspecto (saúde do corpo) e promover um salto em sua qualidade de vida.
 
Isso é evoluir espiritualmente. Uma ação concreta e direta para a melhoria interior. Não é tornar-se iluminado e perfeito, mas é dar um passo nesta direção.
 
Para dar mais um exemplo didático, vamos dividir em 3, os aspectos da vida de um ser humano, como sejam: interior (saúde do corpo, necessidades particulares, etc.), privativo (vida em família, conjugal, e o cumprimento de seu papel dentro desta) relacional (vida social, profissional, etc.). Pois bem, existem indivíduos que possuem um nível de consciência mais desenvolvido em relação ao aspecto interior (cuidar de si-mesmo), denotando hábitos saudáveis em relação a sua saúde (orgânica e emocional), contudo, possuem deficiências no seu aspecto relacional (profissional, por exemplo), tendo dificuldade de se adaptar no ambiente de emprego, de se desenvolver profissionalmente, etc. Da mesma forma, existem pessoas que possuem um nível de consciência relacional desenvolvido (são muito bem relacionados, possuem sucesso profissional, etc.) mas possuem deficiência no relacionamento com sua família, ou no relacionamento conjugal; ou, no aspecto interior, não dando a devida atenção à sua saúde, não conseguindo libertar-se dos maus hábitos, sejam físicos ou psicológicos.
 
Poderíamos incluir também o nível de consciência em relação ao aspecto intelectual “versus” o emocional, etc. Mas, pensando justamente sobre esses aspectos, podemos identificar que todos nós estagiamos em um nível de consciência (em relação a nós mesmo e ao mundo que nos cerca)  que, de maneira geral, é mais ou menos parecido, variando em graus de acordo com as afinidades e as nossas aquisições psicológicas particulares.
 
Contudo, conforme os graus de diferenciação entre os níveis de consciência de cada pessoa vão variando, isso pode ocasionar determinadas dificuldades de compreensão e na relação entre as pessoas que estejam em pontos muito distantes nesta escala. Aí devem entrar os recursos psicológicos da compaixão, da compreensão amorosa e da tolerância fraternal, para que essas barreiras e resistências possam ser contornadas e superadas.
 
Não foi à toa que Jesus escolheu 12 apóstolos. Ele poderia ter escolhido, 20, 30, 50, 100 apóstolos. Mas ele escolheu 12, porque eram as pessoas que estavam em condições de conseguirem compreender a Sua mensagem, a assimilar os ensinamentos contidos em Suas palavras e exemplos e poder divulgá-los para o restante das pessoas. Tanto é assim que nos 3 anos em que Jesus realizou a sua jornada como Messias (dos 30 aos 33 anos), ele realizou 4 sermões e, para que a Sua mensagem,  o Seu Evangelho, pudesse ser ouvido pela multidão que o cercava, os apóstolos repetiam para os demais cada frase do sermão que Ele proferia.
 
Naturalmente, nós podemos nos desenvolver e “subir” nesta escala de níveis de consciência, em todos os aspectos que eu elenquei acima. Aliás, é um dever nosso fazer isso.
 
Porque, quando falamos em evolução espiritual, estamos justamente falando de tudo aquilo que podemos e devemos fazer para melhorarmos a nossa condição de vida, seja no seu aspecto interior (nossa saúde, nossa vida emocional, espiritual, etc.), seja em seu aspecto exterior (vida social, profissional, familiar, conjugal, etc.). Nós evoluímos por meio das realizações que empreendemos em nossa vida diária, mesmo naquelas coisas mais simples e/ou “materiais”.
 
Não há outro caminho. Falar em evoluir sem pensar em modificações em nossa qualidade de vida, em mudanças de comportamento e de hábitos, é simplesmente sonhar com algo que nunca vai acontecer e ficarmos presos a ilusões que, futuramente, nos irão conduzir a frustrações e angústias maiores.
 

Fraternalmente.