segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A Visão de um Adepto: A questão da Missão Mediúnica

Por: Gregorio Lucio 

Uma questão na qual sempre reflito refere-se a idéia da chamada Missão Mediúnica, com a qual os adeptos umbandistas (notadamente os médiuns, “cavalos-de-santo”) estamos vinculados ao longo de nossa trajetória neste universo religioso.

Bem, em princípio seria interessante analisarmos o significado atribuído a palavra “missão”. Diz-se, em nosso meio, que o médium tem uma missão junto de seus Guias Espirituais e perante aos “assistidos” (encarnados e desencarnados) por meio de sua mediunidade. Entendo com isso que, conforme o significado específico da palavra em questão, o médium possui o encargo (a incumbência) que é dado a ele para realizar uma determinada tarefa. No caso, a tarefa seria o beneficiamento de outrem por intermédio do trabalho espiritual feito pelo médium e seus Guias. 

Contudo, devemos ter uma visão mais ampla do que seria esse trabalho espiritual (que nem sempre ocorrerá pela mediunidade, diretamente) sob encargo do médium que lhe cumpre realizar ao longo do ano todo (e não só no Natal, como é a ocasião atual) e durante toda a sua vida, dentro de seus limites e possibilidades, é claro. 

Por exemplo, esse trabalho se expressa de maneiras diversas, como o acolhimento e a ajuda de pessoas necessitadas de um auxílio mais “material e imediato” (alimento, roupas, etc.); a visita, a oração em favor e o diálogo fraterno (não é dar passe, nem consulta espiritual) para com enfermos de seu conhecimento e pessoas em situações difíceis e graves a que venha a ser solicitado a prestar seu concurso; o aconselhamento ético, a educação e o esclarecimento do próximo quanto aos princípios espirituais que são de seu conhecimento, em face de sua vivência religiosa como umbandista (e que, naturalmente, exigem do médium, principalmente, conduta exemplar dentro destes princípios). 

Estou enfocando essas possibilidades de expressão do trabalho espiritual, para que tenhamos uma idéia de que a vivência religiosa, como médium, não está restrita e exclusiva às poucas horas que este possa vir a passar dentro do templo religioso. Como costumo dizer, é fácil ser “bom” e “caridoso” dentro do ambiente religioso (no qual passamos em média 2h, uma ou duas vezes na semana, de acordo com o calendário de cada casa). Até mesmo porque ali, dentro deste ambiente, o sistema de relação que impera (como em qualquer ambiente nobre do convívio social) é o da formalidade. 

Mas, a expressão do trabalho espiritual e da verdadeira ligação do médium para com seus Mentores deve estar num contexto muito mais amplo e profundo do que isso. Deve ser mais do que cumprir uma formalidade de uma atividade religiosa. O trabalho espiritual deve estar em uma profunda associação com o restante de nossas ocupações e da maneira como vivemos o nosso dia-a-dia. Isso é viver a religiosidade de maneira coerente. 

Não é estar todos os dias nos trabalhos do terreiro que irá fazer o adepto ter resultados salutares em sua vida religiosa. Ele pode estar ali simplesmente enquanto não tem “outro lugar para ir”. Por que “um familiar ou amigo frequenta aquele lugar, então ele também vai”. Enquanto ainda dure a sua esperança de que aquele lugar vai “resolver o seu problema”. Enquanto não aparece um novo amigo(a) ou namorado(a) ou enquanto ninguém o convide para uma balada ou outra atividade que lhe seja mais atraente...enquanto... Em outras palavras, a presença de uma determinada pessoa no ambiente religioso pode estar ocorrendo de uma maneira completamente destituída de significados e comprometimentos mais profundos

Lembro que a condição capaz de trazer resultados positivos e plenificadores para a vivência religiosa é a maneira pela qual o médium (ou o adepto, de maneira geral) se entrega e vivencia os momentos em que está ali. Claro que os resultados de uma experiência religiosa positiva só podem ser construídos quando estes ocorrem seguindo uma constância e uma regularidade. No entanto, isso não quer dizer, necessariamente, estar presente em todos os dias, num sentido de obrigatoriedade. 

Pelos diálogos que travo com pessoas pertencentes a direção de atividades em ambientes religiosos (alguns terreiros de umbanda, centros espíritas e igrejas evangélicas, mais especificamente), vejo que o grande desafio que se afigura dentro dos templos é a constante tendência dos frequentadores, de maneira geral, em transformar o ambiente de atividades em um simples centro de convívio social, desprovido de mais amplos significados, como qualquer outro existente (a academia, a roda de amigos, o passeio público, etc.) ou, principalmente, num “refúgio” para os desafios que se apresentam no dia-a-dia. Recordo-me de um companheiro que, no meio de uma reunião espírita, confessou a mim de que vinha para o Centro Espírita “pois não aguentava o choro de sua filha recém-nascida e as exigências de sua esposa”. Fora esse, outros casos que já tive oportunidade de conhecer, pelos quais a vida religiosa é assumida numa tentativa de substituir a realidade do dia-a-dia (dificuldades em lidar com parceiros no ambiente de trabalho, conflitos conjugais, desgaste com filhos, desemprego, problemas sexuais, alcoolismo, drogadição, etc.). E essa, definitivamente, não é a melhor maneira de se resolver a questão. 

A busca pelo ambiente religioso como um ponto de alívio emocional e fortalecimento espiritual para o enfrentamento das dificuldades da vida e dos conflitos interiores é compreensível e natural. Contudo, enquanto o indivíduo não identificar em si quais são esses seus conflitos e as facetas de sua vida que merecem a devida atenção e a conveniente solução, a vivência religiosa não terá um efeito maior do que o de um comprimido para dor. A dor passa na hora (os conflitos se aliviam e a emoção se atenua), mas enquanto o problema não for devidamente enfrentado dentro do seu contexto próprio (se profissional, familiar, afetivo, de saúde, etc.) e solucionado (ou pelo menos, conscientemente orientado), essa experiência sempre será um ciclo interminável e até neurótico (tenho um problema, não me sinto capaz de resolver, corro pro templo religioso, alivio a emoção, volto pra casa; levanto no dia seguinte, surge o problema, me sinto fragilizado, volto pro templo religioso, alivio a emoção...). 

Dessa forma, creio que devemos nos integrar a uma postura amadurecida e entender a “missão mediúnica” como um comportamento consciente e assumido de compromisso, ética e parceria para com os Guias Espirituais. 

Quando o trabalho espiritual feito pelo médium junto a seus Guias está alicerçado, de maneira consciente, nestes 3 pilares (compromisso, ética e parceria), é possível realizar uma adaptação das possibilidades de como este trabalho pode ser feito, ajustando-o a necessidades outras que também se exige do médium, para que estejam em equilíbrio (trabalho, família, estudos, lazer e outras). O médium só pode dar na medida daquilo que tem. Tanto para os Guias, quanto para os assistidos. Importa que sua vida esteja, dentro do que é possível, equilibrada e saudável, para que os resultados de seu trabalho no campo mediúnico possam ser cada vez mais compensadores e gratificantes para si mesmo e para o próximo. 

Compete, portanto, a cada médium, identificar quais são as exigências de sua vida cotidiana e conciliá-las para que seus compromissos possam ser assumidos sem maiores prejuízos para si mesmo, fazendo assim de sua trajetória um caminho contínuo e duradouro, superando todas as suas provas e desafios. 

Temos informações obtidas dos Benfeitores Espirituais de que desde, aproximadamente, 60 anos para cá, não se encarnaram mais espíritos na condição de Missionários. Isso porque estamos atingindo um momento social – portanto, coletivo – em que cada um é chamado a assumir a auto-responsabilidade por sua vida, mediante o esforço pelo auto-esclarecimento, pela auto-consciência e por colocar-se, dessa forma, como sujeito ativo e condutor de seus caminhos, deixando de lado a desculpa e a justificativa de seus erros, para isso escondendo-se atrás dos erros dos outros. Cada um deve responsabilizar-se pelas consequências boas ou más de suas escolhas e de sua conduta, trabalhando para que sejam sempre as melhores e mais acertadas possíveis. 

Ou seja, as Leis da Vida nos convidam, cada vez mais, ao amadurecimento psicológico e a entendê-lo como um processo que não surge por simples ação dos anos, conforme a pessoa envelhece, como pode-se pensar a partir de um “senso comum”. Embora todas as pessoas mereçam sempre o nosso maior respeito, idade avançada e cabelos brancos não equivalem diretamente a maturidade. 

O amadurecimento psicológico surge, ao passar dos anos, como um traço que se destaca naqueles, e somente naqueles, que se colocam como responsáveis diante de sua existência e que adotam essa atitude de refletir sobre si mesmos e trabalhar em seu aprimoramento interior, solucionando seus conflitos, diluindo suas carências, se desvinculando de possíveis frustrações do passado e eliminando, gradualmente, seus vícios e maus-hábitos. 

Esse amadurecimento psicológico (na psicologia junguiana, chamado de individuação) pode ser entendido como a essência daquilo que chamamos, no meio espírita, de “evolução espiritual”

Penso que o médium deve se perceber como uma pessoa comum e que necessita se integrar nos diversos contextos, nos quais a sua presente encarnação o coloca (como profissional, familiar, estudante, cidadão e religioso, todos num mesmo nível e grau de importância). Deve buscar ampliar e diversificar as atividades de seu dia-a-dia, adotando hábitos simples, saudáveis e culturais, justamente para se qualificar mentalmente, desenvolvendo seus recursos espirituais que lhe farão, inclusive, servir melhor como médium. 

Devemos ter consciência de que não vivemos exclusivamente para a Umbanda e, muito menos, da Umbanda. Não alimentemos a falsa ilusão, ou até a presunção, de que estamos “salvando o mundo” por meio da nossa mediunidade e muito menos de que a dedicação exclusiva a vida religiosa nos irá livrar das outras experiências que nos são impostas pelas Leis da Vida. 

Assim, será possível estabelecer, cada um dentro de seu momento de vida, uma programação saudável e conciliadora de seus diversos compromissos. 

Fraternalmente.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Visão de um Adepto: A Noite Escura da Alma

Por: Gregorio Lucio

Gostaria, nesta nova publicação, de tratar de um assunto pouco discutido ou analisado em nosso meio. Porque envolta em questões que fogem ao contexto dos discursos comuns e, em geral, superficiais, presentes nas comunidades de terreiro, e vinculando-se mais à profundas bases psicológicas da experiência espiritual ao longo da vida religiosa, realmente, torna-se difícil abordar a temática da então chamada “Noite da Alma” ou, “Noite Escura da Alma”, conforme havia sido designada por São João da Cruz, e utilizada pela Teologia Cristã.

A Noite da Alma, ou Noite Escura da Alma, é uma simbologia que se refere a um estado psicológico e espiritual, no qual se apresenta um paradoxo (profunda contradição) interior, pois, embora seja uma experiência iluminativa, esta se caracteriza pela presença de um obscurecimento da alma, dos sentimentos e do sentido religioso, provocando sofrimento.

Talvez pelo fato de que esta experiência sempre o fora relatada entre profundos místicos e pessoas cujas vidas foram dedicadas integralmente à prática religiosa (Madre Tereza de Calcutá teria vivido tal experiência por mais de 40 anos), acabou-se por se desconsiderar que tal experiência é presente também nas pessoas de vida “comum”, principalmente se estas também dispõem, em sua vivência cotidiana, da prática religiosa e se colocam à busca de sentir e vivenciar o Sagrado em sua vida.

Fato é que todo aquele que se vincula, com sinceridade, à vivência religiosa, mesmo não sendo um profundo místico, irá passar, ou já passou, por essa experiência de integração com determinados aspectos desconhecidos (sombrios, noturnos) do seu mundo interior. Mesmo aqueles que não dispõem de uma vida religiosa passam por experiências semelhantes, embora noutro sentido, no entanto, ambas as experiências conduzem o ser humano para um processo de amadurecimento interior e reordenação de sentidos psicológicos para a vida.

Não vou me deter às características da Noite da Alma conforme ela se apresenta, especificamente, na vivência dos místicos religiosos, contudo, irei trazer determinados pontos que se ligam a esta experiência num nível mais comum e próximo a cada um de nós. 

Então, a Noite Escura (da alma) pode surgir na vida do adepto como um estado de perda de sentido psicológico da sua vida religiosa. Um sentimento profundo e inquietante de ausência em relação a Deus e ao Sagrado o invadem, dando margem ao surgimento de várias dúvidas e questionamentos de variadas ordens (doutrinários, místicos, éticos, sociais, subjetivos, etc) que emergem à consciência, ocasionando um sentimento de inadequação, de “estar fora de lugar”. Os atos devocionais, de maneira geral, a prece, a presença nos ritos e, mais particularmente ao nosso meio, o contato espiritual com os Guias e Mentores, embora sempre positivo e saudável, é também caracterizado pela presença de um sentido de penumbra, de obscuridade e de distanciamento psicológico da experiência, tornando-os sofrivelmente insatisfatórios.

O sentido do sofrer, nesta experiência subjetiva do adepto, surge pelo sentimento de desconexão com a Divindade e de afastamento emocional para com os Mentores, aumentando sua frustração pelo fato de que, em muitas vezes, essa experimentação dá-se integralmente numa dimensão interior do médium, difícil, inclusive de ser expressa verbalmente (aliás, me perdoem caso esteja sendo repetitivo em determinados termos, por que justamente é algo bastante abstrato para se colocar em palavras específicas). Juntando-se a isso o fato de que a exposição deste estado interior, geralmente, é extremamente mal interpretada dentro do meio religioso. Muitas vezes é visto como perda, ou falta, de fé por parte do filho-de-santo, por falta de compromisso para com os Guias ou o templo, com melindre, “frescura”, ou, pior ainda, quando se une à visão fanática e ignorante de muitos, terminando por ser interpretada como o afastamento do Orixá por estar em desagrado com o seu filho-de-santo, a presença de obsessão espiritual, demanda, magia negra, etc.

Existem várias linhas de conhecimento que tratam, cada uma a sua maneira, do processo de desenvolvimento psicológico do ser humano. E, seguindo um pensamento de síntese, podemos identificar que passamos, de maneira geral, por períodos em nossa vida em que ocorrem profundas transformações, sejam psicológicas, sejam biológicas e, naturalmente, ocasionando que ambos os aspectos estejam inter-relacionados. Os mais famosos são, sem dúvida, aqueles que compreendem o nascimento, a transição da infância para a adolescência, da adolescência para a idade adulta, da idade adulta para a velhice e, da velhice para a desencarnação. Somado a essas transições naturais, psicobiológicas, pelas quais passamos, existem também as experiências profundas de vida que se constituem como temas importantes e marcantes em nossa jornada: a morte de pessoas queridas, o casamento (e a separação), o primeiro emprego, o desemprego, a dificuldade financeira, a primeira experiência sexual, o nascimento dos filhos (e a desencarnação deles), problemas de saúde, fatos agradáveis junto a amigos, familiares, na vida profissional, enfim....

Estes “temas” comuns, interferem também (lembrando que somos pessoas religiosas, mas pessoas comuns) em nosso estado interior e na nossa relação com a Espiritualidade. Então, é natural que, ao passarmos por alguma destas experiências, soframos os choques que nos conduzam a movimentarmo-nos interiormente a fim de, periodicamente, nos ajustarmos e nos adaptarmos aos novos papéis e sentidos que a vida nos impõe e nos pede. Essas transições causam um relativo estado de sofrimento psíquico, constituindo-se, entretanto, como experiências naturais da vida, mediante as provas que esta nos apresenta. 

Os períodos psicológicos mais propícios para o surgimento da Noite da Alma são os da transição da adolescência para a fase adulta (dos 28 aos 32 anos, aproximados) e da fase adulta para a velhice (dos 50 aos 60 anos). Isso porque ambos se referem a períodos da vida em que é exigida, da parte de cada indivíduo, uma definição clara e com consequências sérias, sobre quais são os seus objetivos diante da vida.

Na entrada para a vida adulta, a saída do lar, a busca pela estabilização profissional, a constituição de uma família, sustentar-se por si mesmo integralmente, etc. Na entrada da velhice, a nova condição de limitação do corpo, a diminuição no ritmo profissional, o esvaziamento do lar, a necessidade de encontrar novas metas, uma vez que as da fase adulta já passaram, sendo conquistadas ou não. Esses dois momentos fazem emergir dois sentimentos estruturantes na experiência propícia ao amadurecimento psicológico: a angústia e o abandono (Jesus: "Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?"- Mateus 24,46).

Assim, o indivíduo que se apresenta imerso neste estado de Noite da Alma, tende a permanecer em períodos maiores de silêncio, não somente dentro do templo religioso, mas em sua vida cotidiana também, numa postura de maior introversão, tendendo também a manter-se mais isolado, em relação à comunidade religiosa.

Um sentimento de tristeza e de desrealização também faz-se presente, muito embora estes não se expressem ao longo do dia-a-dia, enquanto o indivíduo se entretém com as atividades profissionais, familiares, de lazer, etc. De acordo com o contexto de vida de cada um, esse estado pode se caracterizar também por dificuldades em sua vida particular. Projetos não se realizam ou se postergam, de maneira não planejada, ocasionando um aprofundamento neste sentimento de desconexão espiritual e de frustração.

Um fator importante a ser considerado por aquele que esteja, neste momento, passando por tal experiência. Não deixar que seu estado interior interfira, predominantemente, de maneira prejudicial em sua vida cotidiana. E para isso é preciso, exatamente dentro do objetivo deste texto, entender-se esse estado como sendo natural e possível na experiência religiosa e espiritual, pois é um processo de nossa consciência “movendo-se” para uma nova ordenação de sentidos de quem somos e de qual o nosso papel diante da Vida e de Deus. É um processo de tentativa para se atingir um nível mais amplo e elevado de consciência.

Saliento que, enquanto dure a Noite da Alma (não há um tempo preciso para início e término, depende da experiência de cada um), o indivíduo não perde sua fé, nem sua crença nos Guias, Orixás e em Deus, tão pouco deixa de estimar e gostar de seus irmãos de comunidade. No entanto, está vivendo um estado de introspecção, convidativo à períodos maiores de meditação e reflexão em torno de sua vida e de seus objetivos existenciais. 

Contudo, conforme já dito, é preciso entender, tanto aquele que vive a experiência, quanto aqueles que o cercam (até porque, cedo ou tarde, passarão, se já não passaram, pela Noite da Alma) que esta condição interior não deve se tornar um tormento insuportável que atrapalhe sua vida, de maneira geral. Isso é um processo para o atingimento de um novo estado psíquico (que não tem nada de mágico ou fora daquilo que não seja natural à condição humana). Compreender essa experiência é importante pois, caso contrário, pode gerar um sentimento de grande conturbação, acarretando num impulso inconsciente para o abandono e a renúncia de tudo quanto o indivíduo até então acreditava e se dedicava, como sendo fundamental para a sua vida, gerando processos maiores de sofrimento injustificáveis, pela atitude impensada, inconsciente e imatura.

Dessa forma, uma vez tocado pela Noite da Alma, permita-se o indivíduo à presença da dúvida diante de Deus e de tudo quanto essa dúvida se mostrar. Permita-se, sem culpas, vivenciar essa insatisfação e esse sentido de desconexão espiritual. Natural até, que sua presença na vida religiosa, durante esses períodos de “noite" e “escuridão”, se faça menos frequente e preenchida por um sentido de vazio. Não se culpe por sentir-se insatisfeito e incompleto, conquanto também não transfira para os outros as causas da sua incompletude e insatisfação (por mais que muitas vezes outros, principalmente no meio umbandista, nos dêem muitas razões para isso). 

Deixe, sem medos, que esse Deus “morra” (ou seja, a experiência interior com Deus, que até então havia sido construída e acomodada dentro de si) para que possa renascer, renovada. Para Deus e para Cristo (no caso daqueles que são cristãos), assim como para os Orixás, se de fato eles existem, não há problema algum que você os esteja repensando e reelaborando as suas experiências com eles dentro de si mesmo. 

Certezas inabaláveis e inquestionáveis. Idéias que não se transformam e não se ampliam. Fé que não raciocina, que não interroga a si mesma e que não dialoga com a realidade interior e exterior ao indivíduo, em geral, são indicadores graves de uma perigosa acomodação espiritual. Não nos deixemos tornar, conforme a letra de um rock inglês, muito famoso, que tenho ouvido muito ultimamente, “confortavelmente entorpecidos”.

Contudo, persevere o indivíduo em sua busca por alcançar novos sentidos na sua relação com a Divindade e com a Vida. Não abandone a prática da prece e da oração, mesmo que nestes momentos se façam mais sofríveis e, até, frustrantes. Não se dê licenças morais para “experimentar” tudo o que até então não se permitia, justificando-se em seu estado de obscurecimento, o qual é, conforme já dissemos e ressaltamos, perfeitamente natural. E, se esse sentimento tiver um peso emocional muito grande para ser suportado, talvez por que esteja se ligando a outras questões emergentes de ordem psicológica, nada mais saudável que buscar um aconselhamento e um acompanhamento com um profissional da área.

Aplique-se em reservar momentos diários, mesmo que breves, para meditar e refletir, consigo mesmo, sem censuras nem repreensões para si mesmo, em torno da razão destes sentimentos que o invadem e, aos poucos, com o passar do tempo, irão surgindo novas possibilidades e novos sentidos para o existir e para co-existir em Deus, proporcionando um gradativo amadurecimento interior, preparando-o para novas e mais amplas experiências que se sucederão.

É necessário coragem para o auto-enfrentamento. Atravessar os vales escuros dos quais estamos repletos interiormente, pela condição de seres humanos, ainda rumando para a conquista da iluminação interior e da libertação do sofrimento. Entretanto, essa libertação iluminativa só ocorre quando mergulhamos em nossa escuridão tonando-a consciente em nós. Lembremos que a Luz surgiu das Trevas e não o contrário. 

Muitos ainda fogem deste enfrentamento, por maiores e contínuos sejam os convites da vida para tal cometimento, derrapando, alucinados pelas distrações da vida social, dos hábitos perniciosos, do cultivo de tudo quanto se perde ao longo do tempo, tentando postergar o dia em que deverão olhar para dentro de si mesmos e se auto-enfrentarem, e despertarem diante de seus medos, dúvidas, frustrações, angústias, aflições, etc.

Por mais dolorida e sofrível, seja essa a oportunidade de acender uma luz no seu mundo interior, para a conquista de um novo patamar em seu estado subjetivo, de maneira a viver saudavelmente as experiências a que somos convidados a nos integrarmos conscientemente. 

Saravá a todos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Visão de um Adepto: Pelo Amor ou pela Dor

Por: Gregorio Lucio

Nós tomamos lições da Vida e evoluímos interiormente “pelo amor ou pela dor”.

“Pelo Amor ou pela Dor”. 

Esse termo é muitíssimo falado e conhecido no meio espiritualista, notadamente, tendo sua origem na cultura espírita-cristã aqui no Brasil.

Refletindo a respeito do assunto, gostaria de tecer alguns comentários a respeito dessa máxima e, também, propôr aos amigos alguns momentos de meditação a respeito, servindo-nos de um referencial um pouco mais psicológico do tema em questão.

Digo isso porque muitas vezes interpretamos esse ensinamento derivando nosso olhar para o fato de que muitas vezes nos recusamos, diante das mais variadas provações da vida, a aprendermos a lidar com elas nos utilizando das melhores “virtudes” de que podemos dispôr. Isso sempre nos leva a uma interpretação exclusivamente Moral da nossa maneira de agir ou re-agir a uma dada dificuldade (interna ou externa) e nos faz pensar em questões de “certo” ou “errado”. 

Contudo, em se tratando de uma abordagem humanística, a qual desejo compartilhar com os amigos, essa não é a maneira mais eficiente de se pensar a questão. O aspecto moral, muitas vezes, nos castra e nos conduz a um sentimento de culpa e de auto-punição por não sabermos lidar com aquilo que ainda não nos sentimos capazes ou do que ainda desconhecemos em nós. A interpretação puramente moral (muito comum nos ambientes religiosos, embora a sua validade), sempre nos limita a compreensão mais ampla acerca daquilo que envolva a realidade humana.

Entendemos, com isso, que lidar com as dificuldades servindo-nos da paciência, da tolerância, da compreensão, da disciplina, da fé e da oração, trabalhando ativamente e esperando com serenidade a resolução dos problemas, é passar pela experiência da provação e adquirir o aprendizado espiritual (amadurecimento) “pelo amor”. De outra forma, lidar com os obstáculos existenciais (sejam dificuldades externas a nós, ou nossas limitações interiores) por meio da revolta, da inconformação, da ansiedade descontrolada, do pessimismo, da agressividade, ou apelando para mecanismos doentios e externos para a fuga da realidade (cigarro, bebida, alimentação em excesso, gastos compulsivos, etc.) nos liga ao processo da “dor”, a qual advirá, sempre, mas também com a finalidade de nos trazer aprendizados, embora de maneira muito mais demorada e, invariavelmente, nos exigindo que refaçamos as lições e passemos pela prova por uma segunda vez (ou mais, até que consigamos passar por elas).

Enquanto nos demoramos, ignorando ou resistindo às necessidades de mudança na nossa maneira de olhar a nós mesmos e, consequentemente, a vida que nos cerca, colhemos os frutos, muitas vezes amargos, como pagamento da condição em que nos encontramos. Enfermidades variadas, crises financeiras, desemprego, dificuldades afetivas. Partes de sua causa (quando não, sua totalidade) estão enraizadas no desajuste e na inconsciência que detemos acerca de nossas próprias necessidades e potenciais íntimos, os quais permanecem, por longo tempo, imersos em nossa sombra psicológica.

Não quero que os amigos entendam a “sombra psicológica” como a presença do Mal, em nós. Não é isso. Embora seja verdade que todos nós, na condição de seres humanos, estamos ligados a essa dualidade existencial, carregando o Bem e o Mal em nosso íntimo. Independente se aceitamos isso ou não. Mas, a sombra psicológica não se refere a uma mera questão moral (bem ou mal). A sombra psicológica refere-se a tudo aquilo (de bom ou “não tão bom”) que permanece desconhecido ou reprimido em nós mesmos. Isso inclui conflitos, traumas, idéias ou desejos reprimidos, frustrações, lembranças desagradáveis, assim como, potenciais desconhecidos, qualidades não descobertas, faces da nossa personalidade ainda não exploradas, o nosso “vir-a-ser”.

Quando não conseguimos “jogar luz” sobre esses conteúdos que estão em nossa sombra, permanecemos ignorando-os. Entretanto, o fato de os ignorarmos não significa que eles não nos influenciam ou, até mesmo, determinam muito da nossa maneira de ser, de agir ou re-agir perante tudo aquilo que “mexe com a gente”. 

Os conteúdos psicológicos perturbadores que carregamos possuem cargas emocionais de grande força para orientar as nossas reações diante das situações e das pessoas com quem lidamos e, muitas das vezes, nos impelem na direção de adotarmos as piores entre as reações possíveis (pessimismo, tristeza, agressividade, compulsão, etc.), obscurecendo nossa capacidade de escolhermos as melhores (serenidade, compreensão, esperança, etc.). Naturalmente, essas reações são mecanismos espontâneos de “defesa” e possuem a finalidade de nos proteger do contato “direto” com faces da nossa realidade psicológica interior, perante as quais ainda nos encontramos imaturos para lidar.

E, enquanto não tornarmos esses conteúdos conscientes, trazendo-os, um a um, para o centro da nossa consciência, identificando-os, refletindo a respeito de suas origens e de que forma eles estão afetando nossa vida, eles permanecerão lá, no nosso “porão” interior, mas como forças ativas que ficam “empurrando” sem parar a nossa mente, cada vez com mais intensidade (e causando mais sofrimento). Por isso, não devemos nos olhar com repreensão e punição quando não conseguimos agir da melhor forma possível. Devemos, reconhecer nossas reações e compreender as que são “legais” e as que não nos fazem bem e, aos poucos, irmos substituindo-as por outras saudáveis. É um processo de re-educação e de auto-consciência. Sempre respeitando nossos limites, embora sem nos acomodarmos com eles (os limites). 

Mesmo os conteúdos positivos, enquanto permanecem na sombra, também causam estados perturbadores, pois eles estão, assim como os demais conteúdos psíquicos, impulsionando a sua liberação, o seu reconhecimento, mas como permanecem nessa zona obscura de nosso íntimo, eles geram estados de apreensão e de angústia, até que sejam, enfim, liberados pela consciência e possamos deles nos apropriar. Nesse ínterim, todos eles estão lá, chocando-se contra as “paredes” do nosso inconsciente, tentando subir à superfície, até o dia em que tomemos a decisão de os encarar, “iluminá-los” e diluí-los, para que sejam transformados em energias renovadoras para a nossa saúde emocional e espiritual. 

Sinceramente, não há outro caminho. Não há religião, mediunidade, caridade, apometria, trabalho espiritual, vela, passe, benzimento, banho de mar, crucifixo, patuá, descarrego, que possa resolver. Nossas crenças e nossa religiosidade são importantes e tem o papel comprovado de aliviar as tensões interiores, mas nunca o de resolvê-las. Trocar de carro, de casa, namorado(a), esposa(o), a marca do cigarro ou a dose de bebida, também não resolve. Nada. Tudo isso, embora digno de respeito, é infrutífero, possuindo resultados apenas superficiais. 

Somente quando há o esforço e a vontade de encarar a si mesmo, auto-analisar-se, e modificar o olhar sobre a sua realidade interior é que o indivíduo torna-se capaz de produzir a iluminação psicológica e espiritual. E, se sozinho não sou capaz de fazê-lo, nada mais justo que buscar apoio psicológico diretamente com um profissional, o qual pode ajudar a facilitar esse processo de auto-descoberta. Procurar um médico (do clínico geral ao psiquiatra) diante da enfermidade, sempre. Grupos de meditação (desde que sérios, como a Brahma Kumaris), de apoio terapêutico e a constelação familiar, também são válidos. Não há mal nenhum nisso. Psicólogo, analista, etc., não são “para loucos”. São, justamente, para “não ficar louco”.

O “amor ou a dor” nos levam para o amadurecimento, invariavelmente. Tudo isso porque eles são recursos que estão em nós por ação da Lei de Progresso (Lei da Evolução Espiritual), a qual se encontra “escrita” nas estruturas da nossa consciência. Não nos esqueçamos de que todas as Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. As Leis Divinas, em verdade, não estão em livros, em templos religiosos, em práticas formais da relação com Deus. Essas são expressões sociais, sempre respeitáveis, naturalmente, dessa relação que cada um deve, intimamente, estabelecer com o Sagrado, independente do local, da roupa, da situação ou de qualquer circunstância exterior em que estejamos. Por que, tudo que é externo nós podemos mascarar, driblar, “fazer parecer”. Mas, das Leis Divinas que estão insculpidas em nosso mundo interior, as quais nos ligam diretamente ao Divino, dessas nós não podemos fugir.

Não há destinação ou determinismo para continuarmos sendo sempre o que somos, com os mesmos hábitos, mesma conduta e a mesma maneira de nos colocarmos diante da vida. A vida nos impulsiona para, mesmo sem querermos, lidarmos com nossas facetas desajustadas afim de que as resolvamos e nos libertemos as algemas que criamos durante os períodos de inconsciência. Da mesma forma, enquanto fazemos esse processo de limpeza e reorganização interior, a Lei de Progresso nos possibilita identificar muitos traços positivos e saudáveis que também estão em nós (não são externos e nem fruto de nenhuma Graça Divina), mas até o momento não reconhecidos.

Jesus Cristo, quando afirma, em João 10:34 “Vós sois Deuses”, deixou gravado justamente que o nosso “vir-a-ser” está contido em nós mesmos. Não é o resultado de uma força externa, mas a conquista de um esforço interior que cada um deve empreender para o seu próprio amadurecimento e sua própria ascensão. Não temos como renunciar ou escapar a isso. Ninguém fará por nós. Em nenhum lugar, em nenhuma religião, com nada que seja externo a nós mesmos. Aliás, nem Ele o fez. Por isso estamos aqui, mais de 2.000 anos depois, ainda tentando acertarmos essa lição.

Que o Mestre Divino esteja conosco, sempre.

Fraternalmente.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O FLUIDO ESPIRITUAL

Segue um pequeno estudo feito por mim, sobre dois capítulos da obra “A Terapia pelos Passes”, de autoria do Projeto Manoel Philomeno de Miranda, cujos títulos são “Fluidos” e “Mediunidade Curadora e Cirurgias Espirituais”. 

Como nossos trabalhos espirituais estão diretamente ligados a manipulação e o direcionamento destas “energias”, seja pela corrente de médiuns, seja pelos Guias espirituais, acredito ser de valia para que tenhamos uma noção básica a respeito. 

Fraternalmente, 

Gregorio 



FLUIDOS 


Lembramos que Jesus Cristo, embora tivesse curado muitos daqueles que O buscavam, libertando-os de enfermidades do corpo, da mente e da alma, teve oportunidade de dizer que não viera para curar corpos e sim almas, deixando implicitamente explicado que os sofrimentos humanos têm as suas raízes no cerne do espírito imortal. Dentro da interpretação espiritual, devemos considerar, antes de tudo, que a origem das desarmonias, de qualquer espécie, permanecem ligadas à imperfeição do Espírito, das quais este ainda irá se desvincular conforme o desenrolar da sua evolução. 

O dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, ao designar a fase não sólida da matéria, propõe a seguinte definição para o termo FLUIDO: “o que corre ou se expande à maneira de um líquido ou gás”. O Espírito André Luiz, desenvolve esse conceito, aperfeiçoando-o, ao associar o termo fluido aos corpos “cujas moléculas cedem invariavelmente à mínima pressão, movendo-se entre si quando retidas por um agente de contenção ou separando-se quando entregues a si mesmas”. 

Quando, no século XIX (19), cientistas como William Crookes, Roentgen e Marie Cure desvendaram o mundo dos raios, ondas e vibrações, contribuíram para que os homens passassem a considerar o Universo em que matéria e energia não passariam de estágios ou estados de uma só realidade, a expressar-se em diferentes campos energéticos, substâncias e corpos projetados no espaço infinito. A matéria, portanto, passa a ser entendida como possuindo mais estados de existência, e não somente os 3 já conhecidos (sólido, líquido e gasoso). 

Segundo os Espíritos Superiores, podemos entender os fluidos como: “tudo o que se relaciona com a matéria, da mais grosseira à mais diáfana (translúcida), incluindo-se neste contexto estados que ignoramos, uma vez que ela pode ser tão etérea e sutil que nenhuma impressão nos cause aos sentidos e susceptível de combinar-se ao fluido universal, sob a ação do espírito, para produzir uma infinita variedade de coisas de que apenas conhecemos uma parte mínima”. 

Léon Denis (lê-se León Dení) nos diz que essa matéria tornada imponderável, à medida que se rarefaz, adquire novas propriedades e uma capacidade de irradiação sempre crescente; torna-se, portanto, uma das formas de energia. 

O homem, na sua condição de Espírito encarnado, formado por espírito – períspirito (corpo espiritual) – corpo físico, influencia e é influenciado de modo incessante, pois vivemos em um Universo onde tudo e todos interagem. Nos afinizamos com pessoas e coisas, pensamentos e substâncias, variando a cada fase evolutiva em que nos encontramos. Por isso, nós estamos o tempo todo registrando com mais intensidade o campo de energias daqueles seres de que mais precisamos para evoluir (principalmente, aqueles a que estamos ligados afetivamente). 

Recebemos elementos sutis, os quais nos penetram por meio de nosso corpo espiritual. Tais elementos, fixam-se por mais ou menos tempo no campo enérgico do corpo espiritual e é assimilado por esse. Estes elementos podem ser equilibrantes e de progresso, ou fonte de estagnação e desordem, a depender da afinidade que estabelecemos pelo nosso padrão psíquico e mental. 

Tão importante quanto o que se recebe, também é o que se produz e se doa. Quando o Espírito (encarnado ou desencarnado) se manifesta (pensando, agindo ou simplesmente existindo), todas as suas potências vibram, fazendo vibrar, por sua vez, o fluido cósmico universal (o princípio elementar do Universo), imprimindo neste alterações que lhe dão aspecto (forma, cor, odor), movimento e direção. Essa variação específica que o Fluido Cósmico Universal assume, por AÇÃO DOS SERES INTELIGENTES, chamamos de FLUIDOS ESPIRITUAIS. 

Não apenas os Espíritos projetam irradiações. Todos os seres animados e inanimados irradiam energias não-físicas, podendo igualmente assimilá-las. Daí a expressão “magnetismo”, como a lembrar-nos da ação da Lei de Sintonia e Afinidade, a qual faz todos os seres, do ponto de vista espiritual, se comportarem como IMÃS. 

Separamos algumas considerações que parecem de relevância para que todo o DOADOR DE ENERGIAS (médiuns de trabalho ou não), tenha em mente ao longo da sua tarefa socorrista, as quais se seguem. 

Os FLUIDOS formam a “atmosfera psíquica” dos seres conscientes, fornecendo elementos com os quais operam pela FORÇA DO PENSAMENTO E DA VONTADE. Nessa atmosfera fluídica que envolve todos os espíritos (encarnados e desencarnados) formam-se os fenômenos perceptíveis para o espírito e não percebidos pelos sentidos materiais (visão, olfato, audição, tato). Nessa atmosfera fluídica é que se forma a Luz Espiritual que envolve cada Espírito (novamente, encarnado ou desencarnado). Ela é o veículo do pensamento do Espírito, assim como o ar é o veículo para a propagação do som. 

Os ESPÍRITOS AGEM SOBRE OS FLUIDOS ESPIRITUAIS, não os manipulando como os homens manipulam os gases, mas com o auxílio do pensamento e da vontade. O PENSAMENTO E A VONTADE SÃO, PARA OS ESPÍRITOS, AQUILO QUE A MÃO É PARA O HOMEM. 

Pelo PENSAMENTO os Espíritos imprimem aos FLUIDOS ESPIRITUAIS um direcionamento, uma aplicação. Eles os aglomeram, os combinam, os dispersam; formam, com esses materiais, conjuntos que tenham uma aparência, uma forma, uma cor determinada. Modificam, enfim, a propriedade destes fluidos, assim com um químico manipula determinados gases ou outros corpos, servindo-se de determinadas leis. 

A ação dos espíritos sobre os fluidos espirituais tem consequências de importância direta e capital para os encarnados. Uma vez que os fluidos são o veículo do pensamento, este [o pensamento] consegue lhes alterar a qualidade, impregnando-os de elementos bons ou maus, que se irradiam dos próprios pensamentos e os fazem vibrar, modificados pela pureza dos sentimentos. Dessa forma, os maus pensamentos contaminam os fluidos espirituais, corrompendo-os. Por isso, os fluidos que rodeiam os maus espíritos, ou os que eles projetam, são viciados, enquanto aqueles fluidos que recebem a influência dos bons espíritos são tão puros quanto o permitem o grau de perfeição moral destes Guias e Protetores. 

Lembro que as transformações nessa “atmosfera fluídica” que nos envolve a todos, ocorrem a todo o instante, conscientemente ou inconscientemente. 

Sob o ponto de vista moral, esses fluidos podem trazer registradas as marcas dos sentimentos de ódio, inveja, rancor, ciúme, orgulho, revolta...da mesma forma como de bondade, amor, caridade, doçura, serenidade, etc. Do ponto de vista físico (sensação que podemos sentir), eles podem ser irritantes, calmantes, excitantes (no sentido de estimulantes), dulcificantes, tóxicos, reparadores, etc.. 

Um fator importante para compreendermos o mecanismo do tratamento espiritual pela doação dos fluidos é que devemos nos lembrar de que NOSSO CORPO ESPIRITUAL (PERÍSPIRITO) É FORMADO PELOS FLUIDOS ESPIRITUAIS. Ou seja, nosso corpo espiritual possui A MESMA NATUREZA que os FLUIDOS ESPIRITUAIS de que nos valemos no trabalho socorrista. 

De acordo com as características próprias de cada indivíduo, ao longo da sua encarnação, em decorrência dos atos praticados ao longo da vida (se bons ou maus), esse corpo espiritual vai tornando-se mais sutil ou mais denso. 

Em vista dessa realidade, existe uma facilidade de assimilação de fluidos por parte dos encarnados à semelhança da esponja quando se embebe de líquido. 

Os fluidos se atraem ou se repelem, de acordo com sua natureza. Por isso, a incompatibilidade entre os bons e os maus fluidos. 

Os fluidos agem sobre o corpo espiritual e este, por sua vez, reage sobre o organismo material com o qual está em contato, interligado por cada molécula. Se os seus eflúvios forem de boa natureza, o corpo recebe uma impressão benéfica e saudável; se forem maus, a impressão é penosa, causando sofrimento. Se os fluidos maus fixarem-se por longo tempo sobre o corpo espiritual do indivíduo, poderão desencadear doenças físicas. 

A doação e aplicação de FLUIDOS ESPIRITUAIS SALUTARES, realizadas nos trabalhos socorristas (de cura ou de assistência espiritual), obtém resultados admiráveis, quando a força fluídica, aplicada ao indivíduo enfermo ou desarmonizado, caracteriza-se pela ABUNDÂNCIA, QUALIDADE E INTENSIDADE de fluidos provenientes de um (ou mais) DOADORES PORTADORES DE BONS SENTIMENTOS E AJUDADOS POR ENTIDADES ESPIRITUAIS BENFAZEJAS. 

Também não podemos deixar de citar a ÁGUA com seu potencial catalizador dos FLUIDOS ESPIRITUAIS. A ÁGUA FLUIDIFICADA, ao ser ministrado ao enfermo ou qualquer um necessitado, libera no organismo espiritual deste a energia irradiante que nela foi projetada, funcionando, a semelhança de um remédio homeopático, estimulando os núcleos vitais do organismo de onde procedem os elementos produtores e regeneradores das células físicas. 

O mecanismo que envolve o médium (doador) e o Guia Espiritual que o ampara no tratamento espiritual, ocorre de duas formas. Na primeira, o Espírito Mentor derrama sobre o médium os seus fluidos espirituais salutares e benéficos, potencializando os fluidos espirituais do médium, para que sejam repassados ao ser necessitado que está sendo auxiliado. Na segunda, o Espírito Mentor retira do médium determinadas energias (por exemplo, o ectoplasma, que é uma irradiação diretamente ligada ao organismo físico do médium) para manipulá-la e aplicá-la sobre o enfermo. 

No entanto, para que haja as condições necessárias para o sucesso no atendimento socorrista (ABUNDÂNCIA DE FLUIDOS, QUALIDADE DOS FLUIDOS E INTENSIDADE DOS FLUIDOS, conforme já citamos), 2 fatores a serem seguidos pelos médiuns, são primordiais: 

  1. QUALIDADES MORAIS: É necessária a moralidade de conduta para sintonizar com os Benfeitores Espirituais e agregar em seu campo mediúnico a maior quantidade possível de fluidos benéficos sem deturpá-los ou corrompê-los. Um vaso impuro contamina a substância que por ele passa. 
  2. PASSIVIDADE: Passividade aqui deve ser entendida como EDUCAÇÃO MEDIÚNICA. O controle dos automatismos, para que as expressões do médium não desfigurem e interfiram no trabalho a ser desenvolvido, uma vez que sua disciplina deve ser tal que esse possa colaborar não só na doação e na irradiação dos fluidos espirituais, mas também na dispersão dos acúmulos nocivos que são retirados dos assistidos dentro do ambiente de trabalhos socorristas. 
Finalizando, quero expressar que a tarefa de auxílio e socorro, realizada pelas Casas que objetivam amparar a todos os que lhes batem às portas, enseja a oportunidade de concretizar o ensino evangélico do “amai-vos uns aos outros” e aquela outra recomendação quanto à tarefa básica dos cristãos “curai...”, “ressuscitai...”, “purificai...”, conforme os apontamentos de Mateus, no seu Evangelho, capítulo 10, versículo 8. É por esse compromisso que os “Espíritos do Senhor” são atraídos para os nossos templos de luz para, juntamente com os homens, levarem adiante o plano de libertação da Terra das sombras do mal, pela ação da caridade. 

Que Jesus esteja conosco hoje e sempre! 

Fraternalmente 

A Visão de um Adepto: O Processo de Ensino-Aprendizagem na Umbanda

Por: Gregorio Lucio

Pensando a respeito do processo de ensino-aprendizagem, na cultura umbandista, gostaria de compor algumas linhas sobre o tema.

Diferentemente de um fato que ocorria no meio umbandista até poucas décadas atrás (até a década de 90), em que pouquíssima coisa havia sido registrada e transmitida utilizando-se do recurso do livro e, posteriormente, da internet, hoje, vemos uma grande proliferação de obras literárias (acadêmicas ou não) tratando especificamente da Umbanda, sem contar outras falando das demais religiões pertencentes à cultura afro-brasileira, assim como uma grande diversidade de sites e blogs na internet, nos quais também existem conteúdos e informações (embora muitas vezes repetidos ou plagiados) a respeito deste universo religioso.

Não pretendo julgar a validade ou a qualidade do conteúdo presente nestes livros ou na internet, pois, naturalmente, existem aqueles de valor considerável e aqueloutros que, de fato, não merecem nenhuma consideração, tamanha a pobreza de idéias, a quantidade de conceitos equivocados, visões de mundo distorcidas, etc. 

E nem preciso ir muito longe. Pegando um autor famoso no meio, Rubens Saraceni, cito 4 livros de sua autoria e de seu “preto-velho” Pai Benedito de Aruanda (que teria sido Dante Alighieri), "Código de Umbanda", "O Livro das Energias", "A Gênese Divina dos Orixás" e "O Código da Escrita Mágica Simbólica" (sem contar aqueles livros tratando das histórias de Exus, como o Guardião da Meia-Noite e outros).

Tais obras contém uma infinidade de erros, omissões, prolixidades e falhas de informação no que se refere:
  • História das religiões: dizer que o Judaísmo é a religião mais antiga do mundo, quando qualquer pessoa que tenha feito até o ensino médio sabe, ou deveria saber, que a religião mais antiga da humanidade hoje é o Hinduísmo; 
  • Falhas em conceitos sobre mediunidade: 1º o autor diz que NINGUÉM, em nenhuma religião, filosofia ou doutrina espiritual, jamais tinha tratado do campo vibratório do médium...acho que ele nunca leu André Luiz, que desde 1940 fala disso, sem contar Matta e Silva, escritor Umbandista, que já desde 1959 escrevera a respeito deste assunto. 2º ele afirma que os médiuns na Umbanda trabalham, em determinadas linhas, incorporados com seres de natureza “extra”-humana, como elementais e outros, pertencentes a dimensões distintas do plano espiritual humano. Outro erro crasso, porque o mecanismo mediúnico ocorre pela ligação mental entre seres de mesma natureza. Naturalmente, os seres que estão envolvidos no mecanismo mediúnico podem ser mais ou menos evoluídos uns que os outros, mas jamais pertencentes a naturezas diferentes; 
  • Erros científicos clamorosos: só pra citar alguns básicos, afirmar que a partícula nêutron tem carga positiva..ou, que “a noite as plantas absorvem gás carbônico e liberam oxigênio durante o dia”, ou ainda que “nosso ar é uma combinação de vários gases no qual predomina o oxigênio”...
Tudo isso contido em obras que se dizem de Teologia e Doutrina de Umbanda...já pensou uma pessoa que não é da Umbanda, mas tem conhecimento, e pega esses livros pra ler? O que ela vai pensar da nossa religião...

Estou citando esses “pequenos” exemplos de erros deste autor, não porque eu tenha nada contra ele, absolutamente. Somente porque ele figura entre os mais famosos no meio. Outros, que nem são famosos então...é de chorar.

Bom, isso a parte...quero enfatizar que o processo de ensino-aprendizagem na Umbanda está diretamente ligado à transmissão oral (oralitura) e a experimentação multissensorial (que não envolve somente o uso do intelecto, mas de outras funções e percepções psíquicas). Ou seja, nesta prática religiosa, o conhecimento é transferido na interação direta e pessoal entre Pai (Mãe)-de-Santo e Filho-de-Santo, a qual ocorre pelos ensinos que são ministrados durante o dia-a-dia dos trabalhos – antes, durante e após estes –, nos ritos especiais e nas atividades específicas de iniciação (as obrigações, preparações ou amacis, de acordo com o termo usado em cada casa) pelas quais os adeptos passam, ao longo do seu aprendizado mediúnico.

Ter contato com os objetos e elementos do culto. Sentir os pés descalços no chão. Ouvir o som dos cânticos e dos instrumentos. Orar em silêncio. Rezar em comunhão com o irmão de terreiro. Mãos dadas. Observar o multicolorido das roupas, fitas e velas. Sentir os aromas das ervas, das defumações e das flores do ambiente. Perceber-se em transe, tomado por uma energia fora de si-mesmo. 

Tudo isso compõe um processo de aprendizagem que envolve múltiplas sensações e percepções, ampliando a experiência psicológica e espiritual pertinente à Umbanda. Trata-se de um conhecimento experimental, de um saber-fazer que só pode ocorrer na prática e na experimentação direta e interessada nas giras, nos trabalhos espirituais de toda e qualquer natureza que se desenvolvem dentro do terreiro. Essa condição que é dada ao filho-de-santo, a de “estar presente”, é que colabora para a gradual construção de uma “compreensão intuitiva” a respeito da realidade espiritual e dos sentidos profundos que estão “velados”, ocultos, nos trabalhos espirituais.

Dessa forma, na Umbanda, a porta para o acesso ao conhecimento espiritual está em “sentir” e “viver” esta forma de religiosidade. Ou seja, a aprendizagem de maior valor para essa cultura religiosa pertence ao que vem “de dentro” do adepto e não, necessariamente, às formas externas de aquisição de conhecimento. Ao longo dos anos, a relação subjetiva, interna e particular, com as entidades espirituais e com o seu Mestre Espiritual (Pai/Mãe-de-Santo) implica em revelações que vão sendo abertas para o médium a pouco e pouco.

As ferramentas para a aquisição do Saber, na Umbanda, dentro desta perspectiva “desde de dentro” do médium são as intuições, as descobertas interiores, as revelações, a dedicação, o interesse pessoal e o dom (aqui entendido como a capacidade inata do indivíduo de captar e receber orientações diretas do mundo espiritual). Todos esses fatores remetem a compreensão de que o modo de aprender na Umbanda está ligado a uma tradição que é vivida dentro do terreiro, aprendida e repassada, principalmente por meio da memória e da oralidade. 

Falando da oralidade, quero dizer que a fluência do ensino é transmitido da “boca ao ouvido”. Da boca do Chefe de Terreiro ao ouvido do(s) médium(ns). Isso tem uma força simbólica muito grande, pois ouvir diretamente um conhecimento transmitido por aquele que tem o papel reconhecido como o de Mestre, vai muito além do que ler algo distante e descontextualizado daquela tradição na qual o médium está inserido.

Entretanto, a Umbanda não marginaliza a leitura como fonte de conhecimento. Não há uma oposição ao livro ou a leitura. O que acontece é a acomodação da cultura literária como sendo uma experiência de segundo plano, complementar, e não a experiência central para a transmissão do conhecimento. Essa experiência central, quero ressaltar, pertence ao campo da experiência pessoal e subjetiva, da transmissão oral entre Mestre e discípulo e da memória conservada ao longo das gerações dentro do terreiro. 

Devemos compreender que os livros cuja temática é a Umbanda, colaboram para trazer esse universo religioso para uma dimensão menos marginalizada em nossa sociedade (pois nossa sociedade atual valoriza mais a linguagem escrita do que outras formas de linguagem). Podemos ver que atualmente há um interesse crescente por parte de historiadores, antropólogos, cientistas da religião, psicólogos entre outros pesquisadores no mundo acadêmico, em estudar a Umbanda e divulgá-la como um fenômeno religioso válido e com uma cultura rica e saudável, ao contrário do estigma que fora criado sobre a Umbanda, taxando-a como uma seita esdrúxula, repleta de crendices e práticas perigosas para a saúde psiquiátrica das pessoas.

Contudo, os livros, os blogs (inclusive esse que você lê) e os sites tratam sempre de aspectos externos, genéricos e superficiais da Umbanda. Eles falam daquilo que “pode ser falado” abertamente. Por isso, o cuidado que o adepto sempre deve ter ao ler e analisar tais obras a respeito daquilo que elas trazem e ensinam, pois muitas das vezes os livros estão refletindo o pensamento próprio do seu autor dentro daquela tradição que é seguida por este e que, naturalmente, não cabem dentro da tradição que seguimos particularmente. Vale como um ponto de informação e reflexão, mas nunca como “pedra de toque”. 

Os livros (os que detém conteúdos coerentes, é claro) também nos ajudam a entender a Umbanda como um fenômeno religioso, compreendendo seu desenvolvimento histórico e social, ensejando que tenhamos uma visão crítica/analítica de nossa religião, reforçando nossa identidade cultural-religiosa e sabendo situá-la perante a sociedade em que estamos inseridos.

Assim, enfatizo que as obras umbandistas (e espiritualistas em geral) são um recurso valioso para o médium e demais adeptos, mas que têm seu lugar bem definido e delineado na prática Umbandista.

Os conhecimentos centrais e profundos só são acessados pela experiência na prática cotidiana, no “estar presente” e interessado no terreiro, e pela transmissão oral, de “boca a ouvido” entre Pai(Mãe)-de-Santo e Filho-de-Santo...entre Mestre e discípulo.

Saravá a todos!

Bibliografia Consultada:
Chaves, Kelson G.O. (2012). Umbanda: Saberes e Tradição mágico-religiosa (in. Da Minha Folha, Múltiplos Olhares Sobre as Religiões Afro-Brasileiras)

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os Pretos-Velhos na Umbanda Branca

Por: Gregorio Lucio

Gostaria, de tratar, neste breve texto, a respeito de uma das Correntes Espirituais mais populares e ancestrais do universo religioso da Umbanda: os Pretos-Velhos. 

Os Pretos-Velhos e Pretas-Velhas constituem umas das entidades mais populares dentro da Umbanda. Embora sua devoção já tenha sido maior. Historicamente, ao estudar o desenvolvimento social da Umbanda, veremos que por volta da década de 20 e 30 do século passado (século XX), os pretos-velhos encontravam-se entre as entidades mais populares nos terreiros de umbanda. 

A partir da década de 50 e 60, com a inserção dos “novos” Guias e Mentores como elementos cultuais nos terreiros, como os Baianos (conforme já tratei em texto anterior), os quais viriam para aprofundar e desdobrar as simbologias espirituais fundantes das Leis de Umbanda (Caboclo – Boiadeiro / Preto-Velho – Baiano / Criança – Marinheiro) principalmente na região Sudeste e Sul do Brasil, sua devoção acabou sendo “dividida” com esses novos “personagens” do imaginário umbandista. No nordeste brasileiro, no entanto, a devoção aos pretos-velhos continua sendo a principal dentro dos terreiros de Umbanda.

As manifestações dos Espíritos dos Pretos-Velhos são encontradas desde o século XVIII, ainda no nordeste, nas práticas do Catimbó. Pai Joaquim, Pai José e Pai João, Vovó Maria Conga, Vovó Cambinda, são alguns dos pretos-velhos mais antigos e já conhecidos desde aquelas épocas.

Nos Terreiros que se espalham pelo Brasil, os Santos que mais são vistos como regendo as Correntes dos Pretos-Velhos são: São Cipriano, São Miguel, São Roque, São Lázaro, São Benedito, Santo Antônio e Nossa Senhora.

A apresentação como ex-escravos, de roupas batidas, ou até com os dorsos desnudos, assim como o corpo arqueado, a que muitas vezes submetem seus médiuns quando da sua incorporação, simbolizam, por meio do gesto e da postura corporal, uma mensagem de humildade, de resignação e, ao mesmo tempo, de firmeza (que pode ser percebida pelo médium, pela impressão de “força” e “peso” que são transmitidas ao longo do transe). Além disso, essas expressões traduzem o imaginário e a idealização da senilidade (velhice) como sendo o momento em que o homem atinge a compreensão da verdade da vida, do valor do desapego, da transitoriedade e da impermanência das coisas, das pessoas e de si mesmo, e da realidade da morte não como aniquilação da vida, mas como uma passagem para essa mesma vida, só que em uma outra condição.

Na Umbanda, os Pretos-Velhos representam Espíritos de envergadura moral ilibada, a qual se comprova justamente pela condição em que se expressam. A fala breve e simples, demonstram justamente uma desvinculação da sabedoria e do conhecimento da intelectualidade, mostrando-os como não sendo, necessariamente, ligados a formação intelectual. O linguajar “difícil” e informal, une-se ao recurso didático das historietas, nas quais relatam experiências de suas próprias vidas, seja no diálogo direto com o filho-de-fé, seja por meio da inspiração de seus pontos cantados, reforçando essa conotação. 

Psicologicamente, os Pretos e Pretas-Velhas traduzem e ensinam aos filhos-de-fé e, especialmente, aos seus médiuns (por meio dos conteúdos que trazem e depositam nos “registros interiores” do cavalo-de-santo ao longo do trabalho espiritual), os sentimentos e as qualidades morais de Humildade, Renúncia, Honestidade, Perdão, Resignação, Simplicidade, Paciência e Sabedoria. Desta forma, incentivam os tutelados (médiuns ou não) pela inspiração, a desenvolverem estas qualidades morais mediante as provas que vivenciam durante a sua encarnação.

A postura paternal/maternal, alternando o tom firme e enérgico, a depender da lição a ser dada ao filho-de-fé, traduzem o quanto a atuação destes Guias e Mentores está ligada à célula-mater da nossa sociedade: a família. Não à toa, por razões culturais-históricas e espirituais (a valorização, pela cultura Banto, das relações da família, o culto aos ancestrais e espíritos familiares), os Pretos-Velhos carregam consigo, em suas identificações, a designação de Pai, Mãe, Tio, Tia, Vovô e Vovó. Seus trabalhos giram muito em torno da Cura (principalmente, espiritual) e da abertura de Caminhos dos filhos-de-fé no que diz respeito às necessidades da FAMÍLIA (doenças infantis, problemas entre cônjuges, desemprego, desafios da velhice e das dificuldades de variadas ordens que atingem a família como um todo). Suas mandingas, no sentido da manipulação de forças mágicas e espirituais, com as quais tratam de problemas do corpo, da abertura de caminhos, do afastamento de influências espirituais negativas e da limpeza espiritual dos lares, são sempre voltadas para o benefício daqueles que necessitam de sua caridade.

Outro detalhe bastante interessante dentro da Umbanda, nesta relação que existe entre os Pretos-Velhos e a Linha das Almas, seria a presença, nos terreiros, de símbolos como o Cruzeiro, a Cruz e as Velas. Isso por que na Umbanda, principalmente naquelas tradições que se aproximam mais dos referenciais cristãos (como a Umbanda Branca, por exemplo), há a compreensão da evolução espiritual por meio da redenção das almas, do sacrifício provacional e da prática dos princípios do Evangelho, pelas quais estes Seres Espirituais, que hoje manifestam-se como Pretos-Velhos, teriam passado, tornado-se Almas Benditas. 

Dessa forma, o Cruzeiro simboliza a memória das almas que já desencarnaram e que se encontram em passagem para o mundo espiritual. Como um portal por onde podemos vibrar e orar por estas almas e, por meio da prece, rogarmos que obtenham a Luz (o despertar, a lucidez, a descoberta, a paz interior) nessa sua nova condição de existência. A Cruz simboliza a renúncia e a renovação interior pela aceitação e pela prática dos princípio do Evangelho de Jesus. A Vela, significa a simbolização das busca constante pela iluminação interior. Por isso, acendemos velas nos cruzeiros, ofertando-as às almas dos que se foram e a intercessão das Santas Almas Benditas, além do seu Orixá Regente que é Omulu.

Por fim, gostaria de colocar que Preto-Velho e Caboclo, na Umbanda, são místicas que guardam uma riqueza simbólica profunda dentro do imaginário Umbandista. São eles quem mentoram médiuns e coletividades inteiras. São eles, elementos fundantes desta Sagrada Religião, cujos domínios no mundo espiritual vão muito além daquilo que podemos imaginar (naturalmente, a depender do seu grau de evolução). São detentores dos segredos das Leis de Umbanda, dentre elas a Lei de Pemba, a Lei do Círculo Cruzado, o Choque de Retorno, etc. São seres que guardam consigo um alto cabedal de conhecimentos sobre a natureza humana e vastíssimas experiências sobre as coisas do mundo oculto aos homens, sobre os recursos naturais, sobre a evocação e a manipulação de “energias” e seres da natureza. 

Assim, o Preto-Velho da Umbanda (da mesma forma que os caboclos, crianças, e demais guias e mentores desta religião) não tem nada a ver com os ditos pretos-velhos que são tidos como trabalhadores em Centros Espíritas (kardecistas) ou outras denominações religiosas. Digo isso pela própria experiência que possuo em reuniões espiritistas e pelos discursos kardecistas em torno da figura destas entidades espirituais. Preto-Velho, na Umbanda, da mesmo forma que as demais entidades que compõem o seu panteão religioso, vai muito além do que uma condição na qual o Espírito se encontra por ocasião de sua última encarnação, conforme já exposto nos parágrafos anteriores. O negro e o índio não continuam sendo aqueles vassalos subjugados que vêm para “limpar e descarregar” ambientes das reuniões espíritas, protegendo pessoas e sendo “comandados” por Espíritos de “ordem superior”.

Portanto, quando dizemos que os Guias e Mentores não fazem diferença entre si, estando eles como trabalhadores em diversos locais onde seu concurso de faça necessário, não devemos com isso entender, necessariamente, que o mesmo Espírito que atua num terreiro de Umbanda também pode atuar num Centro Espírita, por exemplo. Tudo isso depende dos seus laços de afinidade com ambas as vertentes religiosas e das suas Ordens de Trabalho, as quais lhe são determinadas no mundo espiritual. Nem todos os Espíritos, embora sejam Mentores de Luz, trabalham em todos os lugares.

É importante conhecer, se inteirar, e respeitar todas as propostas de trabalho voltadas à Caridade, no entanto, sem confundí-las para não empobrecermos e esvaziarmos de sentido, essa riqueza espiritual tão profunda que existe na Umbanda, ainda velada e pouquíssimo entendida por nós mesmos, seus adeptos. 

Saravá os Pretos-Velhos!


quarta-feira, 31 de julho de 2013

Os Boiadeiros na Umbanda Branca

Por: Gregorio Lucio 

Outra corrente muito atuante na Umbanda, principalmente nos terreiros localizados na região sudeste e sul do Brasil, os Boiadeiros representam uma ampliação da simbologia espiritual do Caboclo. As manifestações dessa corrente, historicamente, remontam a um período anterior aos Baianos e aos Marinheiros, pois diziam respeito, na sua expressão, ao arquétipo do homem sertanejo, o primeiro descendente da mistura do homem branco com o índio, na fusão de raças que ocorreu em nosso país.

Os Espíritos que se ligam às correntes dos Boiadeiros trazem os símbolos que representam indivíduos que quando em vida participaram da vida no campo, no trato com a terra e com o gado. Simbolizam a figura do homem rude e humilde, de mãos calejadas e caráter austero. Sabemos também que os espíritos boiadeiros dizem respeito a todos os povos das estradas, aqueles em cuja história migraram por regiões as mais diversas, enquanto consolidavam sua trajetória e estruturavam as suas bases sociais. Temos notícia destes povos desde as épocas bíblicas, conforme podemos no lembrar da história de Moisés e a peregrinação pelo deserto com todo o povo Hebreu, em busca de Canaã, a terra prometida. 

Em muitos terreiros, os Boiadeiros são entendidos como sendo regidos por Ogum e Iansã, mas há também Casas em que estes se identificam com São Benedito, São João Menino, São Cipriano, Nossa Senhora Aparecida, Santa Ana, entre outros Santos e Orixás. Existem terreiros em que a corrente dos Boiadeiros é confundida com a dos chamados Mineiros, que seriam manifestações espirituais muito parecidas. 

Uma característica muito marcante entre os Guias e Protetores pertencentes a essas correntes é que eles seriam Espíritos detentores da Doutrina espiritual. Por conta disso atuam diretamente sobre os espíritos que vagam perdidos, desorientados ou que estejam ligados à pessoas, famílias ou coletividades, causando perturbação, doenças e outras influências negativas. Também por isso, regidos pelos Mentores que atuam sobre a aplicação das Leis de Ação e Reação no Mundo Espiritual, estes trabalhadores são exímios conhecedores das demandas espirituais e se encarregam da proteção das “costas” dos médiuns, dos terreiros a que estejam vinculados, assim como de lares e coletividades inteiras. 

Podemos entender essa questão ao analisarmos as simbologias que são trazidas em seus Pontos Cantados e nas “ferramentas” (laço, chicote, berrante, espora, capote, etc.) que estas entidades expressam quando estão trabalhando na gira ou quando se fazem notar pela clarividência. O “boi”, a “boiada”, representam as situações graves, as demandas espirituais a que estes Guias estão incumbidos de suportar e dominar, exercendo total controle e comando, por ação de sua força espiritual e de sua fé irretocável. De igual forma, o “garrote perdido”, imagem muito recorrente em diversos Pontos Cantados, representa o trabalho do Boiadeiro de atuar sobre os Espíritos perdidos, obsessores, quimbandeiros, que estejam ameaçando a integridade das pessoas ou o ambiente espiritual dos trabalhos dentro do Templo umbandista, afastando-os ou exercendo domínio sobre estes, para que sejam encaminhados as zonas espirituais que lhe sejam de merecimento, o que tanto pode ser para uma Caravana de Resgate quanto para as regiões de escuridão da onde vieram, caso não estejam ainda em condições de receberem auxílio direto. 

Outras referências que estão muito presentes no imaginário que envolve e compõe a mística em torno dos Boiadeiros são os elementos da Natureza e a sua manipulação pela ação do trabalho do homem. Terra, Arado, fogueira (fogo), chuva, geada, matas, as estradas, os moinhos, representam o domínio que estes Espíritos tem na manipulação das energias naturais e o conhecimento que eles tem sobre a ação do tempo, principalmente no que se refere à Lei de Ação e Reação, a Lei do Retorno. 

As Correntes dos Boiadeiros, ao contrário do que muitos pensam, não são compostas somente por espíritos masculinos, mas também pelas Boiadeiras, expressões femininas dentro dessas Legiões de Luz. Embora sejam raríssimas as Boiadeiras, são as Amazonas, e estas também atuam trazendo sua força espiritual para junto de seus protegidos e para os templos a que estejam ligadas. Conhecem rezas fortes, e realizam evocações sublimes dos seres da natureza, conhecem benzimentos centenários e, conforme já o dissemos, possuem grande conhecimento das Leis que regem o Mundo Espiritual. 

Dessa forma, são os Boiadeiros aqueles que lidam na linha de frente nos choques com as energias maléficas que são emanadas das falanges que habitam nas Trevas. São eles quem primeiro descem às estradas desertas das regiões de dor e sofrimento para levarem auxílio e resgatar os que se arrependem e despertam de seus tormentos na dimensão espiritual. Assim como também são eles que estão encarregados de frear e deter incisivamente a ação daqueles que almejam o mal do próximo utilizando-se da violência direta ou das armadilhas sutis da maledicência, da mentira e da injúria. 

Como resultado de sua ação nas dimensões do trabalho espiritual, enquanto atraem e isolam entidades negativas, os Boiadeiros desmancham acúmulos negativos que estejam no ambiente, nos corpos dos médiuns e das pessoas na assistência, as quais tenham sido gerados pelo contato com a aura enferma destas entidades perturbadoras. 

Do ponto de vista psicológico, lembramos sempre que todas os Guias Espirituais, ao comungarem das irradiações dos pensamentos que são trocados entre eles e nós, seus médiuns, agem como impulsionadores, como motivadores do despertar de nossos próprios conteúdos positivos, que muitas vezes permanecem inconscientes, despercebidos em nós. Assim, os Boiadeiros contróem, ao longo do transe que dão a seus médiuns, ideias e imagens que despertem a Fé em Deus e na Vida como um todo, a Firmeza de Propósitos, a Clareza de Objetivos, a necessidade da Disciplina para conquistar a mudança de que necessitamos, depositando e deixando conosco a Luminescência de sua irradiação vigorosa, deixando despertos em nossa consciência os pensamentos que nos incentivem na conquista de posturas positivas de seriedade, de respeito e nobreza de caráter, cujo valor é claramente reconhecido e admirado por esses Guias da Aruanda Maior. 

Pelo seu caráter Aguerrido, sua Perseverança, sua Fé inabalável, estão sempre próximos de nós, em pensamento, nos incentivando em nossas orações, incentivando que vigiemos os nossos pensamentos e atitudes, sempre sustentando nossas rogativas de paz, amor, sabedoria e serenidade, para que estas possam chegar ao Coração de Nossa Senhora, em sua benévola intercessão junto a Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Vibremos e Oremos junto destes Irmãos da Vida Maior, sempre sabedores de que “com Boiadeiro não se brinca”. 

Jetruá Boiadeiro! 

Saravá a todos!

terça-feira, 30 de julho de 2013

A Visão de um Adepto: Do uso (ou não) da Mediunidade

Por: Gregorio Lucio 

Não praticar a mediunidade, dentro do “compromisso” assumido no mundo espiritual, acarreta doenças e desajustes espirituais? 

Outro mito muito popular no imaginário das religiões mediúnicas (notadamente o Kardecismo e a Umbanda), assim como o mito da tal “Mediunidade Inconsciente”, conforme já o tratamos em outro texto, essa questão do não uso (ou do afastamento da prática) da mediunidade gera muitas dúvidas e conflitos de ordem psicológica em tantas pessoas que, apesar de desejarem uma maior aproximação com o meio religioso kardecista ou umbandista, veem-se tomadas por reticências e por resistências. Naturalmente, essa compreensão - um tanto castradora, diga-se de passagem - remete a uma certa sensação ou impressão de “prisão” que vincula o indivíduo, “ad eternum”, à necessidade de “praticar a caridade” por meio da mediunidade e servindo aos “espíritos, Guias e Mentores”. 

Então, se eu não aceitar para mim a prática mediúnica, eu terei problemas na minha vida? Ou, se após eu ter aceito a mediunidade, desejar, por circunstâncias as mais diversas (desencanto com a religião, mudança de religião, ir morar no exterior onde não há terreiros e centros espíritas, motivos profissionais, de saúde, familiares, etc.) afastar-me, mesmo que temporariamente, eu terei problemas? Minha vida vai “andar pra trás”? 

Absolutamente, não. 

Até por que precisamos pensar seguindo uma linha de coerência, não é? 

Como é que podemos dizer que o trabalho mediúnico é voltado para a tarefa de promover a Caridade, o Amor ao Próximo, o Bem Maior, o Consolo, a Esperança, a Orientação Saudável e Desinteressada, etc...e estarmos, nós mesmos, que nos dedicamos a esse “trabalho”, presos a algemas das quais não podemos nos libertar? Será que Espíritos de Luz, Mensageiros da Paz e do Amor, nos querem presos a eles, como escravos algemados a um “contrato assinado” em um momento que sequer podemos nos lembrar pois segundo dizem, seriam compromissos assumidos antes de reencarnarmos? 

Estarmos ligados a tarefa da Caridade significa participarmos e compartilharmos ativamente da prática dos princípios do Evangelho do Cristo. É “estarmos em Cristo”, conforme Ele mesmo houvera dito. E, então, estar em Cristo é estar preso, amarrado e destinado a sofrer, caso eu deseje outra coisa para a minha vida? Claro que não. 

Todos esses mitos surgiram no passado cada vez mais distante, em que havia muito pouco conhecimento acerca da Mediunidade, dos seus efeitos, dos proveitos que dela podemos usufruir, não só para contribuir com a ajuda ao próximo, mas também para nosso próprio benefício, em vista de como o exercício da mediunidade e da prática religiosa pode influir saudavelmente em nosso organismo físico e em nosso estado psicológico. Já existem vários estudos, inclusive, realizados por universidades do Brasil e do Exterior a respeito dos benefícios da prática mediúnica. 

Acredito que tudo evolui. Aquilo que no passado se encontrava na sombra da crendice, pela limitação do próprio conhecimento dos homens, vem, aos poucos, se iluminando, se esclarecendo, devido a evolução do conhecimento a respeito das questões espirituais. Isso ocorre tanto da parte do homens que passaram a estudar esses temas, mas também por parte dos próprios Mentores que trazem conhecimentos novos e elucidativos a respeito da mediunidade. 

Devemos entender que a Mediunidade não é um “dom”, assim como também não é um “estigma”. Não é uma graça que nos deixa melhor do que os outros, nem uma punição que nos rebaixa a condição de escravos do mundo espiritual. 

Portanto, devemos passar a compreender que a Mediunidade é uma Faculdade Mental. É um recurso extremamente valioso que temos à nossa disposição para ampliarmos, por meio da sua prática consciente e bem orientada, o nosso discernimento a respeito de nós mesmos, nosso auto-conhecimento, e também ampliarmos nossa visão a respeito da Vida e da realidade que nos cerca. Serve para deixarmos de olhar somente para nós mesmos, e passarmos a reconhecer os outros, as dores dos outros, as aflições dos outros, as doenças dos outros, as limitações dos outros e verificarmos que, assim como nós, existem outras pessoas que também sofrem, têm dúvidas, conflitos, limitações e que devemos nos ajudar, mutuamente, para que consigamos passar por nossas provas. A mediunidade nos ajuda a entendermos o quanto ligados e dependentes (não escravos) uns dos outros nós somos. 

Até por que nós só podemos ter uma atitude verdadeira de compaixão, caritativa, de companheirismo, etc., quando nos reconhecemos exatamente na mesma condição que os outros. Se nos julgamos acima, por que “somos médiuns”, nossa atitude será de orgulho somente ou, no mínimo, de indiferença. 

Outra Faculdade Mental que tem os mesmos efeitos que a Mediunidade, no que se refere ao auto-conhecimento, discernimento das conexões que temos com a vida, etc., é a Meditação. 

Então, a Mediunidade é um recurso que nos está à disposição para utilizarmos, caso seja de nossa escolha. Mas, e se eu não quiser me servir da Mediunidade? 

Bom, primeiro precisa se considerar o seguinte ponto. Você sente sinais da mediunidade em você? Já teve visões, sensações características, ouviu algo incomum, pressentiu acontecimentos, se sentiu doando energias para alguém ou algo do tipo, já se sentiu com a personalidade alterada? já foi, de fato, tomado para um impulso de comportamento alheio à sua vontade? Se já, com que frequência? Por que, também tem isso, muita gente acha que é médium por que alguém falou que ela era médium...mas a pessoa nunca sentiu nem um arrepio que fosse, nem de frio... 

Se a pessoa não utiliza o recurso da mediunidade, ocorre da mesma forma que uma pessoa que tem audição normal e coordenação motora adequada, mas que não se interessa por aprender música, por exemplo. Ela continua ouvindo e conseguindo controlar seus braços, mãos, pernas, sua voz, etc. Mas ela não é capaz de tocar um instrumento musical, de ouvir uma música e conseguir distinguir o som próprio de cada instrumento, não é capaz de perceber se o cantor desafinou, se tem um instrumento fora de compasso, etc. Ou seja, ela tem uma percepção mais ou menos limitada em relação a música. Ela entra em contato com a música, mas sua percepção fica limitada. Ela pode até ficar com dor de cabeça por causa da música que ela está ouvindo, mas como não aprimorou sua sensibilidade, ela não sabe dizer ao certo por que está com dor de cabeça ou porque quando ouve aquela música se sente mais leve, mais feliz, mais serena, etc. Da mesma forma, se ela não aprimora sua sensibilidade espiritual, por meio do exercício mediúnico, ela entra em contato com o mundo espiritual (por que nós nos encontramos envoltos pela realidade espiritual), sente a sua influência, positiva ou negativa, mas também não é capaz de distinguir aquilo que a está fazendo bem ou não. Ela entra num ambiente, se sente mal, mas não sabe dizer o porquê. Ela fala com uma pessoa, se sente bem, mas não sabe identificar, etc.. 

Há uma outra situação que é a de quando a pessoa tem uma sensibilidade já aguçada, seja porque ela floresceu na pessoa em dada fase da vida, ou por que a pessoa já vem exercitando a mediunidade e aí, por diversas situações possíveis, ela deseja se afastar desta prática. 

Nesse contexto, precisamos compreender que a mediunidade funciona em nós como algo dinâmico e pulsante. A mediunidade movimenta nossos conteúdos psicológicos, aguça nossa sensibilidade, amplia nossas percepções. É como uma correnteza que flui com intensidade e que precisa ser canalizada, caso a pessoa se decida a mudar de rumo. Dessa forma, é muito comum a pessoa com uma sensibilidade espiritual, mas fora da prática mediúnica, destinar suas energias para a área das artes, da pintura, da poesia, da música, da atividade esportiva, da medicina, da educação, da psicologia, da ação solidária, da Meditação, da Yoga, do Tai Chi, do Johrei, etc. 

Da mesma forma, quando transferem-se de religião, as pessoas podem aplicar a sua sensibilidade em atividades pertinentes que são executadas neste novo ambiente em que passam a frequentar. Participam de corais, de grupos de oração, de grupos de meditação, grupos de novenas, etc. A sensibilidade da pessoa irá encontrar uma forma de se expressar, mas, naturalmente, o canal mediúnico irá se “fechando”, pois é como se, podendo enxergar, a pessoa não o quisesse e insistisse em manter seus olhos vendados. Ou, podendo movimentar um braço, ela o amarrasse. Aos poucos, começa a ocorrer a anulação daquela função já adquirida, entretanto, no caso da mediunidade, sem o prejuízo para o organismo, conforme aconteceria com uma pessoa que se cegasse ou atrofiasse um braço. 

Quando tratamos do termo “compromisso mediúnico”, precisamos compreendê-lo como uma escolha consciente, tomada após um processo de amadurecimento da pessoa, a qual se decide por seguir um caminho de busca espiritual. E, naturalmente, como qualquer compromisso que assumimos, hoje, agora, nesta vida, conscientemente, nós não podemos simplesmente “virar as costas” quando mudamos de ideia, nos arrependemos, ou o desejamos, seja por qual motivo for. Mas isso não é um problema da mediunidade. É um problema da Vida. O que vai imperar nesse caso é a Lei da Consciência. As Leis de Deus estão inscritas na Consciência de cada um. Por mais que a pessoa tente disfarçar, lá no fundo tem uma “voz” que a lembra das escolhas que fez. 

Nós podemos simplesmente virar as costas para o nosso trabalho profissional e ir embora, por mais descontentes que estejamos? 

Nós podemos simplesmente virar as costas para a nossa família e “sair andando”, como se as pessoas que estão em nosso lar não fossem nada? 

Nós podemos abandonar um companheiro, um amigo, um(a) namorado(a), após termos nos vinculado a eles sem maiores comprometimentos? 

Nós podemos simplesmente virar as costas para a religião que escolhemos seguir, sem nos achar compromissados com nada nem ninguém? 

Qualquer pessoa que esteja de posse da sua saúde psicológica sabe que não podemos fazer isso. A não ser pessoas que estão doentes psicologicamente é que são capazes de virar as costas para os compromissos que assumem e simplesmente abandoná-los sem a menor “dor” na consciência. 

Todo compromisso assumido gera responsabilidade. Isso é da Lei da Vida. 

Toda Responsabilidade reconhecida se instala na Consciência de todo Ser Humano. 

Assim, quando o indivíduo deseje se desvincular da mediunidade, o que ele deve, primeiramente, é saber se conduzir éticamente. Exponha o seu desejo, comunique sua vontade e peça a licença para se afastar, com maturidade, para os responsáveis pela Casa que frequenta. Tenha em mente que os maiores laços que nós construímos na Vida, são os laços humanos, e não podemos nos desfazer das pessoas como se elas não tivessem significado nenhum. Esteja aberto para ser compreendido, ou não, pois da mesma forma que você, a pessoa do outro lado também é um ser humano e nem sempre toma a melhor atitude para todas as situações. Procure não falar mal do lugar que o acolheu, tão pouco das pessoas que seguiram ao seu lado, durante o tempo em que lá permaneceu. Não tome decisões guiado pela emoção do momento. Ore, reserve para si alguns dias para refletir a respeito. Veja se são justas a suas alegações e coerentes os seus motivos. 

Digo isso porque é da Lei, pela sua própria Consciência, que a pessoa que não sabe se conduzir e rompe seus laços com violência, com maledicência, com ingratidão, com abandono, etc., seja colocada novamente diante daqueles a quem se vinculou para resgatar com harmonia e maturidade os deveres que assumiu espontaneamente. E, ao se recusar e insistir nesta postura, a própria consciência da pessoa vai colocando-a em situação de sofrimento, de angústia, por que não se permite reconhecer que não soube comandar os seus passos pelos caminhos que deveria trilhar numa experiência de felicidade e de gratidão. 

E isso, como o dissemos, não é uma consequência da mediunidade ou uma punição dos Guias e Mentores de Luz. É uma consequência que vem pela nossa própria consciência, seja em qualquer lugar ou com qualquer compromisso sério que assumimos ao longo da nossa vida. Saiba que não é o fato de mudar de religião ou desejar se desvincular da mediunidade que o fará sofrer, mas é a maneira pela qual você se conduzirá neste processo. 

Gratidão sempre! 

Que o Mestre Jesus nos abençoe!