domingo, 16 de novembro de 2014

Lançamento do Livro Umbanda de Nego Véio - Versão Digital

Prezados,

Boa noite!

Desejamos anunciar o lançamento da primeira edição do livro "Umbanda de Nego Véio - Compêndio de Estudos" constando os textos que foram elaborados entre julho de 2011 a janeiro de 2013.

O link abaixo possibilita o download gratuito desta obra em formato digital para todos o que estiverem interessados.

https://drive.google.com/open?id=0BygBTBuzL--HZTBwMU9Ha19SVEk&authuser=0

Esperamos que apreciem.

Atenciosamente,

Umbanda de Nego Véio

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A Visão de um Adepto: Quando a Experiência do Rito torna-se Vazia

Por: Gregorio Lucio

A Umbanda é uma religião riquíssima em seu imaginário e em seu mundo simbólico. Ambos alimentam a ampla diversidade ritual que existe nas mais diversas tradições seguidas em cada cazuá.

É pela ritualidade que se cumpre o processo prático religioso na Umbanda. A ritualística é fundamental para a transmissão simbólica da energia psíquica mobilizada em seus trabalhos mágico-espirituais. Toda a experiência religiosa feita dentro dos círculos umbandistas centra-se nos ritos.

O ritualismo, entendido como um sistema litúrgico que contempla um conjunto de ritos, promove a sujeição do adepto à experimentação ritual e a introjeção dos significados dos símbolos que neles (nos ritos) congregam-se, com o objetivo de repetir ou reviver (pelo menos na tentativa de) uma experiência individual transcendente de comunhão com o Sagrado.

Contudo, muitas vezes o ritualismo pode tornar-se um veículo estéril para essa experimentação. Principalmente quando há um apego desproporcional ao zelo das normas contidas na tradição religiosa em prejuízo ao espírito de abertura para a figura humana do adepto religioso com a sua subjetividade.

Uma vivência em torno de ritos e símbolos que não acompanham o desenrolar da jornada humana no suceder do tempo social, histórico e psicológico compromete seu poder de mobilização de energia psíquica/anímica pois sofre um processo de esvaziamento de significados e deixa, aos poucos, de ser uma experiência atrativa para o espírito. Essa é uma reflexão sempre válida no ambiente religioso. O ritos, símbolos e crenças devem carregar um discurso e uma transmissão de sentidos que tenham conexão com a realidade interior das pessoas de hoje para que possa conservar seu poder de atração.

Isso porque o excesso de ritualismos e a ausência de símbolos suficientemente significativos acaba por sufocar a individualidade do adepto e não permitir o seu desenvolvimento interior, prendendo-o num círculo repetitivo de vivências superficiais e exteriores e com pouca penetração em seu universo íntimo, para promover significativas transformações. Os resultados possíveis, ao final, são os sentimentos individuais de cansaço, acomodação, alienação e vazio.

O valor de um símbolo religioso ou de um ponto de crença não pode ser de maior relevância do que a pessoa que o vivencia, assim como não deve ser maior do que a natureza do trabalho que esta desenvolve.

Devemos refletir sobre as práticas rituais e qual a sua real penetração e valor no processo de transformação e melhora individual dos seguidores da religião de Umbanda. Em que contribuem, se de fato contribuem e até que ponto contribuem para a sua transformação íntima?

Caso contrário, o zelo pela tradição e o apego ao simbolismo estéril pode fazer-nos cair em um farisaísmo moderno, repleto de normas, excesso de zelo pela tradição e pouca abertura para uma real conexão entre a vida religiosa do adepto e o seu mundo de relação diária. Ou, o que é pior: a distorção psicológica do adepto a respeito das relações entre a sua vivência religiosa e a vivência social diária, por achar que uma não tem ligação ou repercussão sobre a outra ("faço o que bem entender da minha vida, desde que eu 'cumpra as obrigações' dentro do meu terreiro").

E tudo isso por conta de uma experiência desconectada de um senso de realidade prática e pouco atraente ao mundo interior do adepto umbandista que deseja uma vivência mais profunda de valores e centrada em uma compreensão abrangente da vida humana.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Da Experiência Religiosa

Por: Gregorio Lucio

Pensando a respeito da experiência religiosa, cada qual vivencia-a de maneira diferente, conforme o sujeito identifica-se (ou não) e relaciona-se com os símbolos, ritos e discursos pertinentes ao campo religioso ao qual encontra-se vinculado.

Difícil pensar que todos os pertencentes a uma dada comunidade religiosa relacionem-se com a experiência espiritual de uma mesma forma. Alguns encontram maior sentido na vivência religiosa, por meio do trabalho comum e diário, mesmo que simples, no silêncio de um pequeno grupo dentro daquela comunidade (como participar da organização do depósito, auxiliar na limpeza, na lanchonete, a cuidar dos jardins, da biblioteca, das atividades da secretaria, etc); outros, vivem a sua religiosidade no desempenho do trabalho social (nos projetos e atividades de atendimento aos que chegam necessitados de amparo de todo o tipo); outros ainda, identificam-se espiritualmente estando presentes nas celebrações religiosas, pelo encantamento produzido pela liturgia, por ver a casa cheia de pessoas, comungando sentimentos e expectativas, na experiência coletiva daquilo que chamamos de fé.

Geralmente, costuma-se eleger os trabalhos de "ordem espiritual" (aliás, o que é "espiritual" e o que é "material"? não é no trabalho da matéria que o espírito se aprimora?) como estando em um grau de importância acima de outras atividades realizadas dentro da comunidade religiosa.

Mas, será que esse labor, muito nobre e respeitável, evidentemente, teria um significado tão grande se a fachada da instituição estivesse suja ou mal conservada, os banheiros descuidados e sem cadeiras limpas e suficientes para acomodar os seus visitantes? A presença espiritual seria tão intensa se a casa não possuir pelo menos um recurso mínimo para amparar alguém que lhe chegue necessitado de uma roupa nova e um pouco de alimento?

Sabemos, portanto, que todas as atividades têm a sua nobreza e funcionam em um conjunto interdependente, para que a obra produzida pela experiência religiosa possa ser exaltada e dar frutos de melhoria interior para as pessoas que dela compartilham.

No entanto, o que importa, de fato, é que a comunidade religiosa ofereça espaços para acomodar essas diversas formas que cada um possui de vivenciar o sagrado, sem com isso eleger formas "melhores" ou mais "corretas". Porque o sentido da religiosidade que se vivencia é construído ao nível subjetivo e não coletivo. Assim, nem sempre a maneira com que uma pessoa vivencia sua fé tem o mesmo significado e validade para outra. Querer colocar a todos num mesmo balaio é, naturalmente, fazer com que sempre fiquem pessoas de fora.

Como costumo dizer, nem sempre estar de corpo presente no trabalho espiritual significa que espiritualmente também se está.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Corpo e Percepção Mediúnica


Por: Gregorio Lucio

Dúvida comum: "Eu estava incorporado(a), mesmo?"

Fosse há algum tempo atrás, eu responderia: "Se está com dúvida, é porque não estava" (sim, já fui mais radical em minhas opiniões..rs).

Digo isso porque a experiência mediúnica é intimamente inconfundível. A experiência pode até ser questionável para um observador externo, no entanto, para aquele que a vivencia, o contato mediúnico é sempre marcante e, muitas das vezes, bem difícil de ser explicado em palavras em um discurso racionalizado.


Mas, o que desejo abordar, neste breve texto, é a questão de como podemos perceber a experiência mediúnica em nós (naturalmente, uma pessoa "de fora" não tem como avaliar as percepções subjetivas de outrem). Vejo que há algumas crenças envolvidas no processo da experiência mediúnica, as quais acabam por criar expectativas que mais atrapalham do que ajudam o indivíduo na sua vivência como médium, principalmente quando se está iniciando. 


Muitos esperam que experiências surpreendentes e fabulosas vão ocorrer tão logo estejam "atuados" pelas entidades espirituais.


Por exemplo, é muito comum acreditar-se que no contato mediúnico vai se perder a consciência, "apagar e dormir", somente despertando na hora do término do trabalho. Isso é uma crendice muito presente em centros e terreiros por aí. Embora até pode ser verdade que determinados médiuns do passado, em condições excepcionais, tenham vivenciado esse tipo de experiência, hoje essa condição não é predominante em 99,999%(pra não dizer 100%) dos médiuns trabalhadores (seja na umbanda, seja no kardecismo). Ou seja, deixemos de lado essa expectativa de acontecimentos fantásticos e mágicos.


A experiência mediúnica, ao contrário, deve ser a mais tranquila e serena possível. Diria até que o ideal, do ponto de vista da educação mediúnica bem orientada e saudável, é que o médium seja capaz de "entrar e sair" do estado mediúnico de maneira imperceptível para quem o observa. Nada de tremiliques, saltos, gritos, saculejos, fungadas, suspiros, esgares, arrotos, etc.


Cada vez mais, quanto mais vivencio a condição de médium e estudo esta faculdade, inclusive minhas experiências próprias, bem como de amigos que compartilham e dialogam com interesse sobre o tema, mais estou convencido de que a mediunidade é uma faculdade mental de nível superior, estando a disposição de qualquer pessoa, desde que bem educada e com um nível de consciência desperto para essa vivencia.


Quando atingimos o estado mediúnico, nos dias de trabalho, por meio do contato com os mentores e espíritos amigos, nossas percepções mentais se afloram, desencadeando uma condição psicológica de serenidade, de entrega e interiorização lúcidas, as quais, por fim, vão provocar uma reação orgânica que nós podemos perceber por meio de sensações corporais. Sim, pois nós nos esquecemos de que como médiuns, nós estamos encarnados, estamos imersos num corpo físico, e as nossas percepções vão sempre passar pelos filtros de nosso cérebro e, claro, de nosso corpo. Ficamos, a todo instante, a "buscar" sensações "fora" do nosso corpo. Ficamos tentando alcançar, perceber e entender coisas na dimensão espiritual, estando encarnados. E isso não é possível. Isso mais atrapalha do que ajuda na hora do trabalho mediúnico. Os espíritos, Guias e Mentores, esperam que nós estejamos ali para entregarmos o que podemos justamente nesta condição de seres encarnados num corpo físico.

Então, quando falo das sensações corporais que decorrem do estado mediúnico, refiro-me, por exemplo, àquela sensação de leveza que sentimos no peito, ao mesmo tempo, um "calorzinho bom e suave" emanando de nossas mãos e rosto. Aquele "formigamento" no alto da cabeça, descendo pelas costas. As pernas que parecem "flutuar". É disso que falo...coisas simples, mas que se conectadas a experiência psicológica e ao estado mental adequados, disciplinados e saudáveis, produzem esse sentido de estar-se, inconfundivelmente, em contato com a dimensão espiritual, comungando com os Espíritos Mentores.


Enfim, amigos, perceber-se em estado mediúnico, é reconhecer-se, espiritualmente, dentro de seu corpo.

quarta-feira, 5 de março de 2014

A Visão de um Adepto: A Questão dos Níveis de Consciência

Por: Gregorio Lucio
 
“Quem tem olhos de ver, veja! Quem tem ouvidos de ouvir, ouça!” (Jesus)
 
Antes de iniciar os sermões junto ao povo que o acompanhava, Jesus pronunciava essas frases “quem tem olhos de ver, veja! quem tem ouvidos de ouvir, ouça!”
 
Naturalmente, isso não se trata de um simples recurso de retórica ou uma aplicação de oratória para chamar a atenção de seu público. Jesus, muitas vezes referia-se dessa forma por saber, mais do que ninguém, a respeito de que os seres humanos vivenciam as percepções dos seus sentidos básicos, por meio de duas dimensões diferentes: a orgânica e a psicológica.
 
Nós tomamos contato com a realidade que nos cerca e com as nossas percepções interiores por meio dos nossos sentidos orgânicos (visão, audição, tato, gustação, olfato). Desde o ato mais simples e automático de  respirar, alimentar-se ou caminhar, até as ocorrências mais diferenciadas (intuições e percepções mediúnicas), tudo isso passa pelo registro de nossos órgãos sensoriais.
 
Ver e ouvir são funções orgânicas fundamentais para podermos tomar contato com o mundo exterior. Nossa vida de relação está diretamente ligada a essas funções básicas dos nossos sentidos. É por meio do “ver” e do “ouvir” que podemos nos comunicar com o outro, trocar informações, estabelecer relações as mais diversas, constituirmos uma família, vivermos em uma sociedade. Tudo isso com a finalidade de vivenciarmos as experiências de vida que nos promovam a evolução espiritual.
 
Ou seja, nossa vida e, consequentemente, as experiências que vão promover a nossa evolução e amadurecimento como pessoas, estão diretamente conectadas com a nossa relação com o outro.Nem mesmo Deus opera na vida humana, senão por ação de outro ser humano que se faz presente em nossa vida ou em momentos dela.  Jesus se faz homem, encarnando na Terra, assim como tantos outros benfeitores que a Humanidade já conheceu (Francisco de Assis, Irmã Dulce, Madre Tereza de Calcutá, Gandhi, Chico Xavier, Nelson Mandela, e outros), justamente para nos dar essa exata noção de que Deus se apresenta na vida humana por meio da imagem e exemplos de outro ser humano, o qual possa ser o portador de Sua mensagem e auxílio.
 
Contudo, nossas questões psicológicas interferem na maneira como “vemos” e “ouvimos” as pessoas e as coisas do mundo. E essa interligação entre o ver e o ouvir e a nossa realidade psicológica nos mostra o nível de consciência no qual cada um de nós estagiamos. Transitamos todos por níveis de consciência diferentes, o que caracteriza o nível de desenvolvimento e a evolução espiritual em que cada um de nós nos encontramos.
 
Nosso nível de consciência está diretamente relacionado com as várias vivências e questões particulares que temos em nosso dia-a-dia. E, como não somos plenamente desenvolvidos em todos os aspectos de nossas vidas e de nossa individualidade, nosso nível de consciência pode se mostrar mais avançado em algum ponto, enquanto noutro ele possa se mostrar deficiente. A síntese destes diferentes aspectos do nível de consciência é que nos dá o padrão evolutivo, espiritual, no qual nos encontramos individualmente e que, por lógica, nos leva a nos relacionarmos com pessoas de nível equivalentes  e buscar frequentar lugares que se afinizem com o nosso padrão “vibratório”.
 
Quem tem olhos de ver, veja! Quem tem ouvidos de ouvir, ouça”. Essas frases pronunciados por Jesus são chamamentos de ordem psicológica que dizem respeito a esse “despertar” interior que cada um de nós deve empreender para poder saltarmos os degraus na escala da evolução espiritual. Como disse, trata-se de um despertar de ordem interna e capaz de produzir os impulsos para a modificação efetiva em nós.
 
Mas, enquanto esse despertar em nós não acontece, é compreensível a postura de negação ou de defesa que muitos assumem, demarcadas por aquelas frases sempre repetidas e já bastante conhecidas: “Eu sou o que sou! Ninguém vai me mudar!”; “sou assim mesmo, quem quiser, que goste...quem não quiser...”; “eu nasci assim, cresci assim, vou morrer assim!” (síndrome de Gabriela); “isso que você fala é muito bonito, mas é literário, não é prático, não faz parte da vida das pessoas”; “eu preciso disso pra viver!”, “é meu destino ser assim”, “eu paro (ou mudo) quando EU quiser”; etc.
 
Somando a essa postura defensiva e de negação, a pessoa também adota uma visão projetada sobre aqueles outros que, naquele aspecto, estão em um outro nível de consciência (geralmente superior), as quais esta pessoa identifica como sendo os seus “censuradores”, ou os seus “juízes”, também dentro de uma postura de transferência e de defesa por ainda não conseguir perceber a sua real condição. Geralmente vai referir-se de maneira depreciativa ao outro como “a certinha”,  “o santo”, “a moralista”, “o intelectual”, “o arrogante”, “o mestre”, etc., conquanto seja de dever e obrigação daquele que se situa num nível de consciência superior, o papel de sempre alertar, orientar e incentivar a caminhada e a “subida” de seus companheiros, sejam familiares, amigos, irmãos religiosos, etc..
 
Com a intenção de exemplificar e sem querer fazer autobiografia, gostaria de citar um breve fato que aconteceu comigo a pouco tempo atrás.
 
Não é novidade para nenhum amigo leitor de que, apesar de ser umbandista, sou um grande admirador e estudioso da Doutrina Espírita (kardecista) e, por conta disso, principalmente quando da minha vivência que começou ainda adolescente no centro espírita, participo, há mais de 10 anos, junto com minha noiva, de um Grupo de Estudos Avançados de Doutrina Espírita em uma casa espírita na zona leste de São Paulo, no qual nós enfocamos o estudo do Espiritismo em conjunto com o conhecimento da psicologia, da psicanálise, da psicologia analítica (junguiana). Nesta atividade, também realizamos o acompanhamento espiritual e psicológico de um pequeno grupo de assistidos que são pacientes de determinadas doenças de cunho psiquiátrico (depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, etc.). Justamente pela característica do grupo, as nossas leituras e discussões são muito focadas nas questões que envolvem a temática da saúde, tanto orgânica quanto psicológica. Nessas discussões, procuramos levantar exemplos de ordem prática e pertinente a vida comum de todo nós e, por diversas vezes, éramos (minha noiva, eu, e outros) solicitados a falar sobre o tema usando como exemplo o caso do tabagismo e da pessoa fumante, que como disse nós mesmos levantávamos ou éramos solicitados a falar por pedido de outras pessoas, pelo fato do hábito de fumar ser, junto com o hábito de se alcoolizar, uma prática e um costume muito presente em nossa sociedade e nas famílias.
 
Como nunca fiz segredo para ninguém, sou filho de um alcoólatra e fumante inveterado (e inclusive adicto de outros tipos de narcodependência), com o qual passei muitos anos de minha vida, tendo, eu mesmo, me tornado fumante, logo aos meus 10/11 anos de idade, fumando bitucas que meu pai deixava em seu cinzeiro ou pegando-as no chão dos bares a que meu pai me levava e de onde tenho quase que todas as lembranças junto dele. Naturalmente, depois de me tornar espírita e assumir a proposta de vida transmitida por essa Doutrina, aos 18 anos, pude libertar-me desse hábito e promover modificações drásticas na minha vida. Por isso, me dou licença para falar destes temas (alcoolismo e tabagismo, em especial) sem nenhum constrangimento e com plena segurança daquilo que digo e afirmo, pois minha vida é um exemplo vivo e simples destas modificações e mudanças que devemos empreender para a nossa melhora, tendo eu aprendido tudo isso com as pessoas e os grandes exemplos que encontrei na Doutrina Espírita.
 
Pois bem, nestas discussões tratávamos sobre o tabagismo e sobre todos os malefícios relacionados a essa doença, assim como falávamos do perfil psicológico ligado à pessoa fumante, etc., sendo acompanhado pelas intervenções de outros companheiros e do dirigente do grupo, os quais também colocavam o seu parecer, confirmando e ampliando as nossas explanações.
 
Certo dia, a pouco tempo atrás, uma companheira do grupo pediu a palavra e disse que gostaria de fazer uma confissão. Ela então nos contou que fora fumante por mais de 35 anos, mesmo já sendo espírita há um período equivalente a esse, mas que até então ela não tivera se empenhado em deixar este hábito maléfico.  No entanto, após passar tantos meses participando do grupo e ouvindo todas as vezes que abordávamos a questão do tabagismo, ela passou a se incomodar com aquilo e resolveu-se por abandonar o hábito. Ela ainda disse, e nos surpreendeu com essa revelação (porque nem fazíamos idéia de que ela era fumante), de que muitas noites de sábado ela tinha ido embora de lá “com muita raiva” de mim e de outros amigos do grupo, por causa das colocações que eu fazia repetidamente abordando o tema do tabagismo, passando até a semana toda “vibrando contra” a minha pessoa, porque as coisas que eu falava mexiam demais com as suas questões interiores. Hoje, faz 05 anos que essa companheira abandonou o vício do cigarro, após ter sido fumante por 35 anos, modificando seus hábitos e está muito mais feliz e realizada com essa grande conquista interior.
 
Ver-se liberto das amarras que nós mesmos criamos para nós, em nossa inconsciência, “não tem preço”, como diz aquela propaganda.
 
Então, o que temos aí?
 
A modificação no nível de consciência da pessoa. Ela pôde, na relação com o outro (na vivência com o grupo espírita), identificar as suas necessidades de melhoria e envidar os esforços e as medidas necessárias para ir além do nível em que se encontrava, naquele aspecto (saúde do corpo) e promover um salto em sua qualidade de vida.
 
Isso é evoluir espiritualmente. Uma ação concreta e direta para a melhoria interior. Não é tornar-se iluminado e perfeito, mas é dar um passo nesta direção.
 
Para dar mais um exemplo didático, vamos dividir em 3, os aspectos da vida de um ser humano, como sejam: interior (saúde do corpo, necessidades particulares, etc.), privativo (vida em família, conjugal, e o cumprimento de seu papel dentro desta) relacional (vida social, profissional, etc.). Pois bem, existem indivíduos que possuem um nível de consciência mais desenvolvido em relação ao aspecto interior (cuidar de si-mesmo), denotando hábitos saudáveis em relação a sua saúde (orgânica e emocional), contudo, possuem deficiências no seu aspecto relacional (profissional, por exemplo), tendo dificuldade de se adaptar no ambiente de emprego, de se desenvolver profissionalmente, etc. Da mesma forma, existem pessoas que possuem um nível de consciência relacional desenvolvido (são muito bem relacionados, possuem sucesso profissional, etc.) mas possuem deficiência no relacionamento com sua família, ou no relacionamento conjugal; ou, no aspecto interior, não dando a devida atenção à sua saúde, não conseguindo libertar-se dos maus hábitos, sejam físicos ou psicológicos.
 
Poderíamos incluir também o nível de consciência em relação ao aspecto intelectual “versus” o emocional, etc. Mas, pensando justamente sobre esses aspectos, podemos identificar que todos nós estagiamos em um nível de consciência (em relação a nós mesmo e ao mundo que nos cerca)  que, de maneira geral, é mais ou menos parecido, variando em graus de acordo com as afinidades e as nossas aquisições psicológicas particulares.
 
Contudo, conforme os graus de diferenciação entre os níveis de consciência de cada pessoa vão variando, isso pode ocasionar determinadas dificuldades de compreensão e na relação entre as pessoas que estejam em pontos muito distantes nesta escala. Aí devem entrar os recursos psicológicos da compaixão, da compreensão amorosa e da tolerância fraternal, para que essas barreiras e resistências possam ser contornadas e superadas.
 
Não foi à toa que Jesus escolheu 12 apóstolos. Ele poderia ter escolhido, 20, 30, 50, 100 apóstolos. Mas ele escolheu 12, porque eram as pessoas que estavam em condições de conseguirem compreender a Sua mensagem, a assimilar os ensinamentos contidos em Suas palavras e exemplos e poder divulgá-los para o restante das pessoas. Tanto é assim que nos 3 anos em que Jesus realizou a sua jornada como Messias (dos 30 aos 33 anos), ele realizou 4 sermões e, para que a Sua mensagem,  o Seu Evangelho, pudesse ser ouvido pela multidão que o cercava, os apóstolos repetiam para os demais cada frase do sermão que Ele proferia.
 
Naturalmente, nós podemos nos desenvolver e “subir” nesta escala de níveis de consciência, em todos os aspectos que eu elenquei acima. Aliás, é um dever nosso fazer isso.
 
Porque, quando falamos em evolução espiritual, estamos justamente falando de tudo aquilo que podemos e devemos fazer para melhorarmos a nossa condição de vida, seja no seu aspecto interior (nossa saúde, nossa vida emocional, espiritual, etc.), seja em seu aspecto exterior (vida social, profissional, familiar, conjugal, etc.). Nós evoluímos por meio das realizações que empreendemos em nossa vida diária, mesmo naquelas coisas mais simples e/ou “materiais”.
 
Não há outro caminho. Falar em evoluir sem pensar em modificações em nossa qualidade de vida, em mudanças de comportamento e de hábitos, é simplesmente sonhar com algo que nunca vai acontecer e ficarmos presos a ilusões que, futuramente, nos irão conduzir a frustrações e angústias maiores.
 

Fraternalmente.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

A Visão de um Adepto: A Ética do Filho-de-santo


Por: Gregorio Lucio

Este texto trata de algumas reflexões particulares que tenho feito sobre a ética que deve existir na relação mestre-discípulo, pai/mãe-de-santo e filho-de-santo, dentro da religião Umbandista.

“Difícil não é ser mestre. Difícil é ser discípulo”. Porque "mestre"muitos acham que são ou podem ser.

O Sacerdote ou a Sacerdotisa dentro da religião de Umbanda (pai ou mãe-de-santo) detém as chaves e os conhecimentos fundamentais da raiz e da tradição umbandista que cada terreiro possui.

Como pessoas mais velhas dentro da tradição religiosa, que construíram o seu caminho antes de nós, o pai e a mãe-de-santo são reconhecidos como sendo capazes e capacitados para exercer sua função de líderes espirituais de uma comunidade de terreiro. Isso porque nosso pai/mãe-de-santo foram também filhos-de-santo daqueles que os precederam e passaram por um longo período de formação e aprendizado para estarem onde estão.

Na minha visão, quando uma pessoa escolhe uma casa de umbanda para frequentar, principalmente se na condição de médium, ela deve tomar essa decisão verificando se aquele templo dispõe de princípios de trabalho que se entendam como sendo ricos e coerentes com as expectativas que esta pessoa possui em sua busca espiritual. 

Com mais destaque, quando falamos daquele que será nosso pai/mãe espiritual. Devemos reconhecer essa pessoa como sendo portadora de valores ético-morais com os quais nos identificamos e como alguém de grande experiência na vivência umbandista, sendo ela quem irá guiar o discípulo pela estrada da iniciação, em cuja imagem e exemplo devemos nos inspirar.

Não quero dizer que tenhamos que cultuar, idolatrar e, muito menos, bajular a pessoa de nossa mãe/pai de santo. Tão pouco devemos procurar nela a imagem de um santo ou anjo perfeito e infalível, que está a nossa disposição para resolver todo e qualquer problema de nossas vidas, coisa que está muito distante da realidade de qualquer ser humano. Contudo, nosso mestre deve ser tido como alguém merecedor de grande estima e respeito de nossa parte.

Uma vez que escolhi aquela determinada pessoa para ser minha mãe-de-santo ou pai-de-santo, a ponto de dar a ela a minha coroa, a minha cabeça para ser “feita” e, consequentemente, comprometi-me com ela e com a minha comunidade de santo em ligações espirituais de profundidade, é porque reconheço-a como sendo plenamente capacitada para me guiar e orientar em minha vivência religiosa/espiritual dentro das Leis de Umbanda.

O filho-de-santo deve compreender que desrespeitar o seu Mestre Espiritual é desrespeitar o terreiro que frequenta, os Guias e Mentores da Casa e os irmãos-de-santo que lhe compartilham da vivência religiosa. Fazer piadas e debochar do Mestre demonstra uma personalidade infantil e ególatra, que se pretende ser auto-suficiente e substituir a figura do pai/mãe-de-santo pela sua própria. Mostrar despeito e desconsideração para com os ensinamentos e/ou advertências do líder religioso é achar-se melhor capacitado e mais experiente do que seu próprio mestre.

Na condição de filho-de-santo, gostaria também de colocar que essas situações são muito do gosto daqueles seres espirituais que habitam as trevas do mundo espiritual, os quais se valem destas aberturas que damos em nossos pensamentos mal conduzidos para insuflar essas atitudes infelizes, minando nossas resistências morais, provocando a dúvida e o desrespeito para com a Mãe ou o Pai-de-Santo, numa tentativa de desvirtuar e fazer falir as atividades benéficas e de auxílio que o templo religioso desenvolve.

Portanto, minha postura deve ser pautada em uma ética de respeito ao meu sacerdote/sacerdotisa. Suas palavras e ensinamentos devem ser sempre ouvidos em silêncio, mesmo que no momento não compreendidos, para serem posteriormente meditados pelo filho-de-santo para entender o sentido de suas lições. Caso determinadas colocações ou atitudes do babalorixá/yalorixá tenham causado dúvidas, discordâncias ou qualquer sentido de contrariedade para o filho-de-santo, este deve pedir uma conversa particular e direta com seu pai/mãe espiritual. Jamais colocar sua contrariedade como objeto de discussão pública dentro do terreiro. Porque muitas vezes, as razões que levaram o líder religioso a tomar determinadas posturas e medidas estão de acordo com a visão que este possui na sua condição de líder e de pessoa mais experiente, e que ainda escapa ao filho-de-santo uma compreensão integral a respeito, justamente por sua inexperiência. Sendo assim, na ética imposta ao filho-de-santo, jamais este deve fazer da figura, das atitudes e das palavras de seu pai/mãe-de-santo um motivo de piadas, de deboches e de despeito, denotando completo desrespeito para com seu líder religioso, assim como para com a comunidade que o rodeia.

Agora, cumprir obrigação para com a comunidade de santo não significa, somente, estar presente nas giras e nas datas festivas, uma vez que isso é algo que o filho-de-santo irá fazer dentro da sua disponibilidade de tempo dada pelo seu momento de vida e das atribuições de responsabilidades a que esteja vinculado ou de acordo com a regra de cada casa. Cumprir obrigações para com a comunidade de santo é ter uma postura respeitosa para com as regras disciplinares do templo, desde o vestuário recomendado até o comportamento ético que se exige do filho-de-santo dentro e fora do templo, para que sua casa, sua religião, os Guias Espirituais, e seu babalorixá/ialorixá sejam honrados pela sua conduta e seus exemplos.

O filho-de-santo deve procurar ter uma visão “horizontal” do seu templo religioso. Olhar ao redor e perceber que para além da sua contribuição pecuniária mensal, indispensável para o custeio mínimo das despesas do templo religioso, existem atividades necessárias para o bom andamento da casa e que demandam trabalhadores voluntários para a sua realização, podendo o filho-de-santo integrar-se as equipes de limpeza e organização da casa. Pois, quanto mais pessoas interessadas e dispostas a ajudar, menos sobra para um pequeno grupo de irmãos-de-terreiro que acabam ficando sobrecarregados, apesar de sua boa-vontade em ajudar sem enfado, nem reclamação.

Falando de irmãos-de-santo, a postura ética com respeito aos irmãos de terreiro. Irmão de santo ou de terreiro é, primeiro e antes de tudo, nosso parceiro de vivência espiritual e religiosa. Não deve ser visto como colega de bar. Naturalmente, o terreiro não deixa de ser um local próprio para uma experiência de cunho social e é completamente aceitável e saudável que as pessoas criem laços de amizade e de afeição umas pelas outras. Entretanto, isso não deve servir para que os irmãos-de-santo se vejam, dentro do ambiente do terreiro, como estando em um churrasco em casa familiar, na qual se vai falando todo o tipo de assunto, piadas, provocações, brincadeiras, etc. 

As conversações devem ser colocadas em um nível coerente ao lugar onde estão. E o terreiro é um templo religioso para onde vão pessoas buscando encontrar sentidos maiores para a sua vida, capazes de fazê-las suportar as provações pelas quais estão passando.

Da mesma maneira, olhar ao redor e perceber o público que busca a sua casa. Pessoas com problemas de saúde, com dificuldades no lar, desempregadas, vivendo dramas os mais variados e inimagináveis. Elas merecem um ambiente sereno e silencioso, onde podem orar e encontrar paz interior, contando com pessoas (filhos-de-santo) educadas, respeitosas e atenciosas? Ou merecem ver pessoas como se estivessem num clube social, em conversações despreocupadas, barulhentas, sobre coisas que nada tem a ver com o ambiente religioso onde estão?

Quem constrói um ambiente de paz ou de balburdia são os próprios filhos-de-santo da casa, uma vez que são os seus trabalhadores.

Assim, provocar situações que demonstrem desrespeito para com a pessoa do Líder Espiritual, seja fazendo piadas, debochando de suas advertências e lições, com pouco caso e despeito, desconsiderar o ambiente ao seu redor e entregar-se a condutas e conversas relaxadas em igual desrespeito para com os irmãos-de-terreiro e, principalmente, para com aqueles que buscam a sua casa de Umbanda em busca de amparo e consolo, é lançar sobre si mesmo o peso das Leis de Umbanda e, por mais que tais atitudes infelizes possam passar despercebidas ou mesmo serem fechadas ao conhecimento de seu Mestre Espiritual, jamais elas estarão desconhecidas dos Guias e Mentores do Templo, os quais tudo vêem e tudo sabem a respeito de cada um dos filhos-de-santo ligados à sua tradição.

Concluindo, quero enfatizar que é imprescindível uma postura ética e de estima para com a Mãe e o Pai-de-santo do terreiro. São eles os sustentáculos humanos dentro de cada tradição umbandista, são eles que detém as chaves da iniciação e a experiência construída antes de nós, capazes de nos ligar ao Sagrado e nos orientar na jornada espiritual dentro das Leis de Umbanda que escolhemos seguir, por vontade própria, os quais devemos honrar a todo momento, com nossa atitude de respeito, carinho e, acima de tudo, com nossos exemplos de retidão de conduta e melhoria como seres humanos dentro e fora do terreiro.

Fraternalmente.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Mediunidade na Umbanda e no Kardecismo: Características no Trabalho Mediúnico

Por: Gregorio Lucio

O texto de hoje endereça um tema muito questionado, principalmente por pessoas que passaram pelo Kardecismo e foram para a Umbanda, e vice-versa.

Não gosto muito de escrever a respeito do tema, porque, em geral, essa temática está muito ligada a visões particularistas (e até sectaristas) por parte de alguns adeptos de ambos os movimentos religiosos em questão, sempre implicando em discussões infrutíferas e intermináveis a respeito.

No entanto, após conversar com alguns amigos mais próximos, pertencentes a seara espírita e atendendo à sua solicitação, até para poder contribuir com material para o estudo em seus grupos de estudo mediúnico e nas Escolas de Médiuns de suas casas,  gostaria de compartilhar com todos alguns apontamentos básicos, não pretendo nem quero me aprofundar no tema, embora haja muita coisa interessante para se pensar e pôr em questão,  os quais julgo serem de relevância para a estruturação de um saber que possa ser de interesse para todos os amigos que se dão ao trabalho de ler essas humildes e despretensiosas linhas.

Para isso, me utilizarei nessa análise, além de estudos e reflexões feitos por mim, da minha humilde e apagada vivência como médium, tanto no Kardecismo quanto na Umbanda. Então, espero ser compreendido pelos meus amigos das “duas correntes”, nesta jornada espiritual.

Pois bem, Umbanda e Kardecismo: Características no Trabalho Mediúnico.

Primeiramente, sempre é relevante lembrar uma questão básica sobre a mediunidade. Mediunidade não é dom. Mediunidade é uma condição humana conquistada pela evolução dos espíritos ao longo das eras, do avanço da consciência e da mente espiritual desde os reinos inferiores ao humano, a qual foi se desenvolvendo na experiência contínua que nós realizamos, como Espíritos, entre o mundo espiritual e o mundo corpóreo, por meio do processo da reencarnação. De origem espiritual, portanto, a mediunidade, no ser humano encarnado, caracteriza-se por uma faculdade mental, a qual já carregamos, desde que nascemos, como um potencial a ser desenvolvido, educado, e que se expressa por meio dos recursos psíquicos e orgânicos de que todos os seres humanos são portadores.

Se entendermos a mediunidade como uma condição natural, fruto do desenvolvimento humano, veremos que uma mesma pessoa, portadora de mediunidade, pode experimentar e expressar sua sensibilidade espiritual tanto na seara umbandista, quanto na seara kardecista. Isso sem falar que a pessoa pode expressar essa sensibilidade espiritual em outras religiões também. Mas, falando dessa possibilidade, especificamente dentro destas duas religiões em questão, podemos observar uma prova disso no constante “trânsito” – que aliás é até histórico – existente entre pessoas que iniciam sua trajetória no Kardecismo e transferem-se para a Umbanda, assim como a recíproca também é verdadeira.

Embora em momentos diferentes da sua trajetória dentro da religião de Umbanda ou da Doutrina Espírita,  é possível, sim, a pessoa “trabalhar” tanto numa quanto noutra. Há ainda aqueles, embora mais raros, que lidam naturalmente com a prática mediúnica exercida, ao mesmo tempo, na Umbanda e no Kardecismo.

Portanto,  no meu ponto de vista, e diante do que já explanei a respeito da mediunidade, não há uma diferença humana entre o médium de umbanda e o kardecista. Não há uma “mediunidade de umbanda” e uma “mediunidade kardecista”, que cada pessoa traga desde nascença. Médium é médium, em qualquer condição ou lugar. Pensando do ponto de vista humano, o que vai fazer uma pessoa ser “médium de umbanda” ou “médium espírita” são suas afinidades psicológicas, sua história pessoal, o contexto cultural e familiar no qual está inserido e, até mesmo, as tendências inconscientes que este pode trazer de seu passado espiritual (vivências em outras encarnações). Dentro da sua busca espiritual nesta encarnação, o indivíduo irá simpatizar e vincular-se com aquela que mais diga respeito ao seu mundo interior, o que poderá variar de acordo com os momentos e fases da sua vida, o que é natural.

De igual forma, a questão do mundo espiritual envolvido nas práticas de Umbanda ou Espiritistas. Não há dissenções entre os “Espíritos de Umbanda” e os “Espíritos Kardecistas”. Entre os Numes Espirituais, há a superação dos rótulos e estigmas que existem no mundo dos homens, pois eles encontram identificações que  se pautam na conduta moral e no desejo do Bem e da Fraternidade Universal.  Os benfeitores e mentores de luz auxiliam toda a humanidade, independente de qualquer cultura religiosa, do sistema político, social, econômico. Das tribos milenares nativas da Namíbia, até as grandes sociedades tecnológicas do chamado “primeiro mundo”, em todo o lugar, os Espíritos Iluminados se encontram, ajudando e inspirando a todos na direção do aprimoramento espiritual.

Contudo, conforme já disse em textos anteriores, nem sempre isso quer dizer que os mesmos espíritos que amparam e tutelam um terreiro de Umbanda necessariamente também dirigem um Centro Espírita. Quando dizemos que não há diferença entre os Benfeitores, devemos  com isso entender que eles são iguais e que desenvolvem seus trabalhos seguindo um mesmo princípio. Um Mentor que se manifesta numa sessão espírita não é “superior” a um Guia de Umbanda que vem trabalhar numa gira. Mas, no mundo espiritual, os Espíritos se agrupam por afinidades variadas, inclusive culturais. Podemos observar isso quando observamos a descrição do Espírito Clara Nunes (a cantora), na psicografia transmitida por intermédio de Chico Xavier, quando ela narra a sua passagem para o mundo espiritual e é conduzida a uma região em que estariam muitas pessoas afins à cultura umbandista. De igual maneira, na obra “Quando se pretende falar de vida”,  também psicografada por Chico Xavier, o Espírito do jovem Roberto Muzkat, descendente de família judaica tradicional, descreve seu despertar no mundo dos espíritos e relata a sua “estadia” junto de seu avô e outros familiares, também desencarnados, numa região espiritual onde se congrega uma comunidade imensa de judeus.

Ué...sendo assim...então é tudo igual?! O Trabalho Mediúnico na Umbanda e no Kardecismo são idênticos?!

Não. Não é isso.

No meu ponto de vista penso que devemos entender que as diferenças entre o Trabalho Mediúnico na Umbanda e no Kardecismo se dão na forma e no método de que cada uma se vale para a prática do intercâmbio espiritual.

Focarei meu olhar para falar do fenômeno de Incorporação que se realiza no mediunismo de Umbanda e na Psicofonia (também chamada de Incorporação) no trabalho espírita.

A partir daqui, tentarei desdobrar um pouco, brevemente, e pontuar onde estão algumas destas diferenças.

Primeiro, precisamos considerar dois elementos importantíssimos para entendermos o mecanismo mediúnico que ocorre na ligação do médium com o Espírito que vai se manifestar. Refiro-me ao Corpo Espiritual e aos Chakras (centros de força).

O corpo espiritual, conforme também já tratei em outros textos, é o intermediário entre o Espírito e o Corpo físico. É ele o responsável por receber as impressões que geramos, como Espíritos, e “comunicá-las” ao corpo físico. No sentido inverso, também. As sensações e percepções experimentadas pelo corpo físico, são gravadas no Corpo Espiritual e “repassadas” ao Espírito. Tudo isso, estou colocando de maneira bem simples, sem me aprofundar muito nos mecanismos mais complexos que envolvem essas interligações.

No Corpo Espiritual temos Centros de Luz, também chamados Centros de Força ou Chakras, os quais são pontos luminosos que possuem um formato circular que vibram e que irradiam intensa luminosidade. Esses Centros luminosos, são responsáveis por estabeleceram conexões com áreas correspondentes em nosso corpo físico. Seria da energia irradiada destes centros de luz que nosso corpo retira a sua vitalidade, a sua saúde, a sua manifestação. Segundo as tradições milenares que os estudaram e identificaram (como o Hinduísmo),  possuímos 7 centros principais, que se ligam desde o alto da cabeça (o coronário), na nossa “coroa”, até a base da coluna ( o chacra básico), passando pela região entre os olhos (chakra frontal), da garganta (chakra laríngeo), do coração (chakra cardíaco), do baço (esplênico), do umbigo (umbilical) e genital (chakra genésico).

Falando em termos básicos, a ligação entre o médium e o Espírito ocorre, primordialmente, por intermédio do Corpo Espiritual (também chamado de Períspirito, na linguagem kardeciana). Há um “encaixe” de vibrações que ocorrem entre o corpo espiritual do médium e o Espírito que irá se manifestar. Quando o médium está concentrado, em oração, ele expande o potencial de vibração do seu corpo espiritual, e dessa forma, é possível que o Espírito que vai se manifestar possa sintonizar-se, num mesmo padrão de frequência e vibração, e “imantar-se” a ele. Essa ligação entre o médium e o Espírito ocorrerá pela sintonização e manipulação do Espírito aos Chakras (os centros de força) que estão localizados no Corpo Espiritual do Médium, conforme já disse. Essa ligação irá  produzir o “estado de transe” no médium e, consequentemente, a incorporação.  E isso é tanto para o médium de Umbanda, quanto para o médium Espírita.

Dito isso, passemos ao Método e a Forma pela qual se processam os Trabalhos Mediúnicos.

No Kardecismo, de maneira geral, as sessões mediúnicas em que há o fenômeno da Psicofonia (incorporação) ocorrem em pequenos grupos, as quais se dão em locais específicos e fechados ao público, chamados de câmaras mediúnicas.

O grupo de trabalho fica disposto em círculo ou em torno de uma mesa e, aí vem uma questão chave dentro das diferenças do mecanismo mediúnico: o médium desenvolve seu trabalho sentado.

E o que tem a ver isso?

Tem a ver que no momento em que o médium está sentado, ele diminui drasticamente a possibilidade da ligação espiritual com os chakras “inferiores”: esplênico, umbilical e genésico.

Dentro do contexto em que ocorrem as práticas mediúnicas do Kardecismo, há uma total intenção, do grupo como um todo, manifestada neste método de trabalho, de que as comunicações ocorram exclusivamente utilizando-se dos chakras “superiores” (o termo superior aqui, não significa “melhor”, mas se refere a localização do chakra em relação ao corpo físico). Ou seja, a ligação do Espírito ficará restrita aos centros Coronário (alto da cabeça), Frontal (entre os olhos), Laríngeo (garganta) e Cardíaco (coração). Isso direciona a comunicação e o contato espiritual para um nível quase que totalmente mental, em que há predominantemente, a troca mais ou menos sutil, de pensamentos entre o médium e o Espírito. Não se abre a possibilidade para que o espírito influencie no comando do corpo do médium.

Para entender o porquê disso é necessário esclarecer, ou lembrar, que o objetivo das reuniões kardecistas que se utilizam da incorporação é, principalmente, o de servir para a comunicação de espíritos sofredores, obsessores, ou que tenham qualquer tipo de necessidade de esclarecimento e orientação. Assim, o Mentor do médium influencia seu chakra coronário, abrindo seu campo mediúnico, primeiramente. Após isso, é acoplado o Espírito comunicante (não podemos nos esquecer de que no caso de espíritos sofredores, o processo mediúnico fica a cargo do comando dos Mentores do Trabalho). Ao estabelecer uma conexão com o chakra frontal, por exemplo, o Espírito irá comunicar mentalmente os seus pensamentos ao médium. Ao ligar-se ao chakra laríngeo, haverá a possibilidade do médium manifestar falando (por isso o termo psicofonia) os pensamentos daquele Espírito. E, ao ligar-se ao chakra cardíaco o médium poderá registrar os sentimentos daquele Espírito. O fenômeno mediúnico pode avançar para os chakras “inferiores”, a depender do tipo de comunicação. Por exemplo, num trabalho de desobsessão, um espírito manifestando intensa raiva e agressividade, atinge a ligação com o centro umbilical do médium. No entanto, como ele está numa postura corporal que “inibe” a total manipulação deste centro de força, o potencial de ação da entidade espiritual fica bastante reduzido e, por conta disso, é possível ao Esclarecedor ou ao Dirigente do trabalho dialogar com o Espírito manifestante e intervir, caso seja necessário, desligando-o do médium, para que não haja a junção dos conteúdos e da irradiação nociva da entidade com as expressões psicológicas e orgânicas do próprio médium, o que poderia gerar um descontrole na comunicação mediúnica. Ou seja, a postura corporal do médium, neste método de trabalho, implica numa medida também de segurança e proteção ao medianeiro e ao grupo como um todo.

na Umbanda, há um outro mecanismo mediúnico. Por que o médium na Umbanda trabalha de pé. E isso implica que, ao assumir essa postura corporal, o médium oferece todos os seus Centros de Força para a ligação com os Espíritos que irão se manifestar. Entretanto, a natureza dos Espíritos que irão atuar neste mecanismo é diversa daqueles relatados na prática kardecista. Por ocasião da evocação dos Guias e Protetores pertencentes as Correntes Espirituais de Umbanda, ocorrerá a ligação desta categoria de entidades, as quais operarão, por intermédio do corpo do médium, o seu trabalho espiritual, num nível mais coletivo do que individual. A intenção dos trabalhos de assistência espiritual na Umbanda é o de amparar espiritualmente os necessitados de “ambos os lados” da vida, servindo-se de um amplo potencial energético produzido nos ritos, pela conjunção das irradiações mentais da corrente mediúnica e da corrente astral, intensificadas pela utilização de recursos ritualísticos (pontos, firmezas, velas, fitas, guias, ervas, flores, etc.) e naturais pertencentes ao templo. 

O Guia espiritual se liga aos centros de força do médium e manipula estes centros, de maneira que ele consiga projetar a irradiação do médium, amplificada pela do próprio Guia, sobre o campo espiritual das pessoas necessitadas (desencarnadas ou encarnadas) que estejam sob a ação dessa irradiação coletiva que está sendo produzida no ambiente , estejam elas no ambiente físico ou não, permitindo que seja feita uma “leitura” e uma “intervenção” nas condições físicas, emocionais e espirituais de cada necessitado. Essa mecânica desprende uma grande quantidade de energia vital do médium, pois o transforma num agente de intensa propagação de fluidos espirituais e num grande atrator de cargas e entidades negativas que estejam sob seu campo de influência mental. No entanto, esse processo ocorre, justamente por que está sendo conduzido por uma Entidade capacitada para isso,  sem que haja a desestabilização do médium.

De igual maneira, quando há o atendimento individual de um assistido que necessite de um trabalho específico, ao aproximar-se o médium do consulente, há a interligação dos centros de força do médium aos centros de força do assistido, facultando que as entidades espirituais possam ler o campo espiritual daquela pessoa e projetar, usando a energia vital do médium, os fluidos espirituais que irão influenciar os centros de força do beneficiário, contribuindo para que possa se fortalecer e se harmonizar. Ao mesmo tempo, o médium assimila para si os excessos e os miasmas (aglomerados de energias densas) que estavam no campo espiritual do assistido, os quais serão, em seguida, desintegrados ao contato com a irradiação de seus guias espirituais e dos paramentos ritualísticos de que se utiliza (guia, fitas, pontos, velas, etc.).

Outra questão importante, o Animismo. O Animismo é o nome que damos para o fenômeno em que ocorre a manifestação das expressões que são do próprio médium, se sobrepondo às expressões do Espírito manifestante. A expressão anímica é tida como um fenômeno espontâneo e não-intencional do médium (caso contrário, seria uma mistificação) a qual pode interferir e até prejudicar a manifestação espiritual.

Por conta disso, na prática Kardecista as expressões do médium devem ser bastante estudadas e educadas para que não se sobressaiam no momento da comunicação, impossibilitando que haja uma identificação do Espírito que se manifesta, prejudicando a qualidade no atendimento espiritual e a qualidade do trabalho como um todo. Na Umbanda, também há essa preocupação para que as expressões e os impulsos do próprio médium não interfiram no trabalho espiritual.

No entanto, a expressão anímica na Umbanda é de primordial importância para que haja a elaboração psicológica, por parte do médium,  da manifestação das entidades espirituais que trabalharão por seu intermédio. A dança (quem dança é o médium, não é o Espírito), a gestualidade, as expressões corporais como um todo, são símbolos vivos e dinâmicos que comunicam a “presença” das entidades no médium. É necessária essa construção do imaginário das entidades, que se opera dentro da vivência ritualística, porque os Espíritos trabalhadores na Umbanda não se presentificam com as suas identidades individuais, conforme ocorre nas sessões espíritas. Os Guias e Protetores da Umbanda revestem-se de “roupagens”, de formas de apresentação construídas por eles, as quais comunicam mensagens espirituais significativas e para que sua identidade particular seja anulada. O conceito de Linhas, Falanges e Correntes Espirituais na Umbanda, traz essa noção de seres que anulam suas particularidades para se unirem a um processo maior e mais amplo do que suas individualidades. Eles elaboram, junto com os seus médiuns, uma “Mística”, portadora de intensa carga psíquica, a qual colabora para que, no momento da expressão anímica do médium, ocorra essa total integração do Espírito aos centros de força do médium. E por isso, é fundamental que haja uma grande porção da expressão anímica do médium, entretanto canalizada inteligentemente, no mediunismo.

Mais uma, a questão do Passe.

No passe espírita, o médium passista tem uma orientação para se colocar de maneira a doar seu fluido vital, de maneira padronizada e sem a incorporação mediúnica, estabelecendo um contato intuitivo (ou seja, servindo-se da ligação sutil no chakra frontal) com os Mentores que assitem-no no momento do passe. Não há a penetração do médium passista no campo espiritual  do assistido. Na linha de passe umbandista, há a conexão direta entre o médium passista (que atua incorporado) e o campo espiritual do assistido. De tal sorte que é possível ao médium receber as impressões do estado físico, identificando áreas do corpo específicas que precisem receber uma irradiação mais direcionada, o estado emocional e a condição espiritual em que se encontre o assistido. Há uma troca muito intensa do que vai da projeção mental do médium incorporado com o que vem do campo espiritual do assistido. Talvez seja isso que fizesse com que se criasse a impressão de que passe na Umbanda é “mais forte” do que o passe Espírita, o que não traduz uma realidade a respeito.

Para finalizar, a Importância na firmeza espiritual do trabalho.

Estar concentrado e totalmente focado no ambiente dos trabalhos em que se desenvolvem as atividades espirituais é de fundamental importância para toda e qualquer pessoa que faça parte de um grupo mediúnico. Seja na Umbanda, seja no Kardecismo.

A postura mental positiva, moralizada, serena e disciplinada, é imprescindível para seja possível esse contato eficiente e profundo com os Guias Espirituais.

Por isso, a sempre requisitada educação e disciplina para os médiuns.

Evitar bocejar demasiadamente. Não emitir sons guturais ou de qualquer outra espécie que perturbem e interfiram na concentração dos que compartilham do ambiente de trabalhos.

Cuidar da aparência, vestir-se com dignidade e de maneira coerente com as regras da sua Casa.

Cuidar da higiene do corpo físico e da saúde emocional.

Vigiar os seus pensamentos, saber identificá-los e corrigi-los, deixando de lado aqueles que surjam espontaneamente e que sejam perturbadores, imorais, ou de qualquer outra natureza que estejam inadequados ao momento do trabalho (sem ficar brigando consigo mesmo, somente não se fixando a eles). Para isso, basta recorrer ao recurso da prece e da mentalização tranquila da imagem de Jesus.

Cuidar das suas palavras e das suas expressões, nunca relaxando na sua postura e no seu comportamento, pois deve-se recordar de que está na Casa de Deus (o centro espírita ou o terreiro), num templo Sagrado, e não numa roda de bar.

Lembrar-se sempre dos necessitados, doentes e aflitos que buscam consolo na casa em que pertence e não merecem ouvir e ver nossas manifestações desrespeitosas e vulgares.

Manter o silêncio no momento de uma prece.

Chegar cedo aos trabalhos. Porque o estado de agitação, devido ao atraso, interfere na produção espiritual.

O estado interior de serenidade e de concentração, fundamentais para a firmeza de qualquer médium, não se improvisa em 5 minutos.

Que Jesus esteja com todos os amigos.

Fraternalmente.

domingo, 5 de janeiro de 2014

A Visão de um Adepto: O Templo Religioso como Ambiente Educativo

Por: Gregorio Lucio 

Toda instituição edificada sobre princípios éticos e morais, promovendo a transformação para melhor daqueles que formam a sua comunidade, torna-se, obrigatoriamente, em um Ambiente Educativo, Cultural e Filantrópico, no qual se é dada uma nova proposta e significação para a existência humana. 

Sendo assim, o conjunto de experiências e atividades que constituem o ensino religioso promovido dentro do Templo, formam o manancial de sentidos que cada frequentador deve encontrar para a sua própria jornada, nos diferentes momentos de sua existência. 

O templo religioso é uma verdadeira “escola de almas”

Ou seja, ele deve contribuir para a construção de novos hábitos, para a modificação de comportamentos arraigados, aprimorando o caráter de seu frequentador, fomentando a troca do “homem velho para o homem novo”uma vez que é imprescindível a reforma interior no adepto para que este esteja integrado a um novo olhar e atitude perante a vida, os quais lhe serão possibilitados pela vivência religiosa. Assim, o templo precisa estar inserido de maneira atuante na dinâmica da vida de relação das pessoas de sua comunidade, produzindo uma vivência religiosa possível de ser integrada na realidade de mundo que circunda o seu frequentador. 

Quando o templo religioso não provoca essas modificações ou falha nesse quesito, não realizando um acompanhamento junto a seus frequentadores e, principalmente, junto aos seus trabalhadores, permitindo que essa atitude de pequenas ações pela melhora seja postergada indefinidamente, o efeito disso é a identificação igrejista da instituição religiosa de Umbanda. 

E o que isso quer dizer? Quer dizer que o frequentador passa a ver o templo somente como um ponto de expressão de seu sentimento religioso. Um lugar para onde vai, junto com outras pessoas, viver experiências que ele não percebe como tendo profunda participação no restante de sua vida diária. Muitas vezes até, essa vivência no templo pode tornar-se composta de intenções particularistas e momentos absolutamente egoístas, pois não há vínculos com sentidos mais amplos naquela experiência. 

Penso que os templos religiosos, mais especialmente aqueles pertencentes ao movimento umbandista, devem se preocupar em oferecer uma possibilidade de vivência interligada à vida cotidiana de seus adeptos. Porque me parece frustrante e descompensador frequentar-se uma “gira” e participar-se de um trabalho espiritual, os quais se repetem dia após dia, conforme ocorre dentro destes templos, e verificar que tais práticas possuem frágeis conexões com aquilo que vivo e experiencio fora do ambiente religioso. Vê-se, atualmente, no dia-a-dia de  muitos templos umbandistas, práticas e discursos que encontram-se repletas de crenças mágicas e imaturas atribuições de expectativas sobre os Guias Espirituais, os Orixás, Deus... demonstrando pobres e incompletas relações com a realidade psicológica do ser humano. Quando muito, o que se vê em muitas casas são pálidas tentativas de se relacionar a vida com alguns poucos minutos de ensinamentos evangélicos ou ético-morais, de maneira geral, mas que não deixam de ser lições um tanto superficiais e até desconexas do cotidiano. 

O papel da Instituição Religiosa é, mais do que servir como um lócus cultural para a expressão do religioso, fornecer um conjunto de princípios norteadores para a vida. E essa função inerente ao templo religioso só pode ocorrer por meio da Educação. 

Curiosamente, quando falamos de Educação, observamos um preconceito latente no imaginário das pessoas. O de que a Educação é algo que só se aplica às atividades da infância e da juventude. Como se os ambientes e as atividades que são frequentados, predominantemente, por adultos não necessitassem da aplicação de princípios e métodos educativos.

A palavra Educação (conforme já tratamos em outro texto) deriva de dois termos do latim “Educare” e “Educere”. Educare significa orientar, nutrir, decidir externamente, direcionando o indivíduo a se transferir, de um determinado ponto em que se encontra até outro ponto onde se deseja chegar. Educere, por sua vez, implica num movimento interior, fazendo surgir do intimo do indivíduo as potencialidades que estão dentro de si e que até então permaneciam desconhecidas.

Naturalmente, existem variações no método educacional de cada templo religioso, contudo, aqueles trabalhadores que constituem a direção da instituição e aqueloutros, incumbidos do ensino, da orientação aos neófitos e da organização das práticas da casa, devem ter esse olhar cuidadoso para observarem as expressões dos seus frequentadores e companheiros de atividades, nunca fatigando-se ao trabalho de corrigir e orientar qualquer manifestação de comportamento menos feliz ou inadequada, sempre com tranquilidade, brandura e educação, embora com austeridade.

Os trabalhadores devem adquirir consciência de seu papel dentro do ambiente religioso, de acordo com suas atribuições e, aqueles que compõem o corpo da direção e da organização da casa, devem também assumir a postura e a condição premente de educadores. Pois, a função do educador é despertar o impulso de auto-educação do educando. O processo de educação é sempre um processo de auto-educação. E, acima de tudo, que a atitude do ensino venha sempre acompanhada do exemplo. Não existe processo de ensino-aprendizagem sem a justa exemplificação prática.

Porque se meu companheiro pronuncia uma palavra infeliz ou faz uma piada inadequada e eu dou risada junto com ele, ou frequento locais onde ele me vê compartilhando de seus mesmos hábitos, como vou poder corrigí-lo dentro do templo religioso? Aí é que surgem os recursos falidos da educação, como seja o grito, o gesto agressivo, a palavra que fere e que, muitas vezes, atinge também aqueles que nada tem a ver com o comportamento alheio.

Como diria o Espírito Bezerra de Menezes: “Ensinar, mas fazer; crer, mas estudar; aconselhar, mas exemplificar; reunir, mas alimentar”.

O adepto deve, então, encontrar no templo religioso um ambiente consolidado em princípios educativos, no qual lhe seja possibilitado avançar de um ponto a outro em suas questões existenciais e produzir modificações interiores, sinalizadas por momentos simbólicos. A passagem de um grau de iniciação a outro, por exemplo. A amplitude de sua participação em atividades específicas da casa. Por exemplo, existem Centros Espíritas e Templos de Umbanda, nos quais não é permitida a participação do trabalhador que traz determinados hábitos (se fumante, se se alcooliza, se alimenta-se mal) em trabalhos de saúde e cura. A depender do comportamento manifesto do adepto (aqui, dizendo mais especificamente em relação aos trabalhadores da casa) e de como esse empreende a sua modificação (ou não), o seu nível de acesso as atividades e atribuições dentro templo, ficam mais ou menos restritos. 

Sendo assim, a Educação no ambiente religioso é a aplicação de um processo sistêmico de inserção e desenvolvimento de uma série de habilidades e valores no campo psicológico de seus frequentadores, facultando mudanças positivas, tanto intelectuais, quanto emocionais e sociais. 

Se um novo filho do terreiro chega à casa e identifica que o padrão de comportamento dominante das pessoas é o de se portar de maneira cordata, moderada, respeitosa, denotando hábitos saudáveis, naturalmente, este se sentirá impelido a proceder da mesma forma, mesmo que lhe faltem, naquele momento, conquistas mais profundas neste sentido. Seus hábitos ainda estão arraigados. Suas expressões grosseiras e impulsivas ainda estão consigo. Seus vícios ainda o inquietam. Mas, o ambiente não lhe permite expressá-los, contribuindo para que se veja induzido a ajustar-se a este novo meio, possivelmente, lapidando essas arestas e, gradualmente, abrindo-lhe espaço para novos hábitos, pensamentos e comportamentos.

De outra maneira, caso seu atual nível de consciência ainda não o permita reconhecer o ambiente e comportar-se adequadamente, naturalmente o ambiente e a postura de seus irmãos de terreiro o neutralizarão em suas expressões, porque não encontrará identificação com a qual possa se alimentar, reforçando-se. Ou, caso não se sinta confortável e suficientemente resoluto em abraçar essa nova proposta, naturalmente, este indivíduo retrocederá, permanecendo como frequentador do templo, mas não vinculando-se a responsabilidades maiores, o que é compreensível.

Agora, se este filho de fé chega com a sua canga de hábitos, vícios, má formação em sua educação do lar, etc., e encontra um ambiente onde impera a indiferença e/ou a omissão daqueles que deveriam servir-lhe como educadores (ou mesmo quando há a boa intenção de orientar, mas sem a devida qualificação e métodos para isso), onde ele possa livremente se expressar e, ainda, contando com companheiros que reforcem esses seus desajustes, consequentemente, fica muito difícil (embora nunca impossível) que ela vá se melhorar, de maneira significativa, a curto e, muito menos, a longo prazo. 

Existe um pensamento de Allan Kardec, que este utilizou para definir o “autêntico espírita” e que eu julgo oportuno apresentar: 

“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar as suas más inclinações” (Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo – cap. XVII) 

Gostaria de pedir licença ao nobre educador lionês (sim, Allan Kardec era professor e pedagogo) para ampliar essa frase e colocá-la ao alcance de todo e qualquer religioso sincero e verdadeiro, incluindo aí a nós, como umbandistas: 

“Reconhece-se o verdadeiro religioso pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar as suas más inclinações”. 

Isso porque esse deve ser o resultado positivo a ser alcançado por todo aquele que pratica uma religião, seja ela qual for. 

Particularmente, não me é concebível uma pessoa passar décadas num dado ambiente religioso e não se modificar de maneira profunda, permanecendo com os seus maus hábitos mais pueris e exteriores. Sempre que isso acontece, automaticamente evidencia-se um fracasso no processo educativo, mesmo considerando-se a possibilidade do livre-arbítrio de cada um. 

Cito Jesus, como o Educador Sublime, o qual nos mostra as mais sólidas regras de Educação. 

Vemos, em diversas passagens dos Evangelhos (Mateus, 12:32, 16:23, 23:27, 52:53; Lucas 3:7, 22:31-32, 17:3, 12:27-28; Marcos 9:19, 14:32-41 e outros) a disciplina e a austeridade de Jesus no trato para com seus discípulos e inquisidores. Isso nos serve como contraposição a visão romântica de que o ser “Iluminado”, na condição de mestre e orientador, é aquele que adota o perfil “bonzinho”, “melífluo” e que “finge que não está vendo” o que ocorre ao seu redor. Jesus agia com brandura e doçura para com os ignorantes, doentes e esfomeados, mas em contrapartida, tratava com severidade e exigência os seus discípulos (pois estes haviam optado por seguí-Lo e dar testemunho das obras dEle e, por isso, deveriam se portar de maneira coerente ao seu Mestre). Não há um só momento em que, observando comentários e atitudes inadequadas de seus discípulos, Jesus prontamente não os tivesse corrigido e chamado a atenção.

A essência ética da Pedagogia de Jesus está contida no Amor. Mas não nesse amor revestido de romantismo piegas de novela, abobalhado. 

O amor de Jesus Cristo é verdadeiro e se expressa como uma postura exigente e que incita a modificação. 

Confessar amor a Jesus Cristo está íntima e obrigatoriamente ligado em assumir uma vinculação integral a uma proposta ética que lança o individuo a um novo patamar de vida nos seus aspectos individual e coletivo. Isso é muito diferente deste “Cristianismo adocicado” (como dizem alguns teólogos) que mistura frases do Evangelho, conceitos de auto-ajuda e de empreendedorismo norte-americano, conforme andamos vendo proliferar nos núcleos religiosos cristãos da nossa sociedade. 

Ligar-se a Jesus é ter visão crítica e ética da realidade de si mesmo e daqueles que o cercam, tal qual Ele houvera tido. 

Não é uma postura de acordos ou de trocas com o mundo, e muito menos com Deus, pela qual eu moldo minha religiosidade e minha espiritualidade de acordo com aquilo que me é conveniente, sem abrir-me ao esforço da modificação de meus hábitos arraigados e das minhas falhas morais. 

Olharmos a vida de Jesus, contida nos Evangelhos, é percebermos que nele há uma constante postura educativa, repertoriada por diferentes tipos de linguagensNa Sua ética, não cabe a conivência com o erro e a mentira, conquanto sempre Ele tivera também as palavras, os ensinamentos e o convite para que cada um olhasse não só para as suas debilidades e as chagas morais que todos carregamos, mas também para os potenciais de evolução de que somos portadores, se, e somente se, optarmos por abandonar uns e abraçarmos outros. De outra forma, estaremos sempre em desacordo com a Educação do Cristo. 

Vícios e Virtudes não caminham para o mesmo lado, seguindo sempre sentidos opostos e que levam a consequências também opostas. 

Com Jesus, aprendemos que tolerar e compreender não é “fingir que não está vendo o erro”. Ser bom “não é deixar de corrigir e repreender”. 

Portanto, não se pode haver uma permissão, mesmo que tácita, dentro do templo religioso, para que expressões cristalizadas dos hábitos negativos que “cada um traz de casa” encontrem morada e se espalhem em um comportamento dominante de seus frequentadores. 

Essas situações, inclusive, concorrem para que haja a abertura para a entrada, no templo religioso, daqueles seres que habitam o mundo espiritual inferior e que não querem a melhora real e o beneficiamento profundo das pessoas, iludindo-as quanto a sua verdadeira condição interior. Promover o cultivo da ignorância e a acomodação, insuflar o desrespeito em forma de deboche para com o líder e as regras da casa , a conversação malsã, são maneiras que os adversários das sombras utilizam-se para promover o bloqueio espiritual daqueles que se deixam influenciar pelas suas sugestões, tentando estender o seu raio de ação sobre todos. 

Por isso é que a vivência no ambiente religioso deve servir justamente para que estas expressões possam ser objetivamente cerceadas (cortadas), dando a idéia clara para o frequentador, principalmente se for um trabalhador, de que aquela maneira de se portar, de falar e até mesmo de se vestir não são bem-vindas, pelo menos no ambiente interno à Instituição, cumprindo-lhe adequar-se

Mesmo não sendo possível e nem conveniente perquirir e exigir-se o comportamento do adepto em sua vida privada - no seu ambiente profissional ou no seu lar - resguardando-se à consciência de cada um a análise sincera para identificar se aquilo que expressa no ambiente religioso é coerente com o que manifesta em sua vida particular, é impostergável manter o ambiente interno do templo a salvo destas ervas daninhas, como as expressões desequilibradas, desrespeitosas, maledicentes, agressivas, viciosas, relaxadas, irresponsáveis e irrefletidas de qualquer natureza, que possam colocar em descrédito a instituição, colaborando para o afastamento daqueles mais sinceros e interessados, fragilizando - conforme o tempo em que perdurem - o senso moral de seus frequentadores e, além disso, maculando o nome da religião e a memória daqueles que tanto lutaram, durante anos a fio, para a consolidação daquela instituição e de seu trabalho de natureza superior. 

Para isso, é imprescindível uma atitude clara de austeridade e a comunicação constante, sem enfado e nem perturbação, da não conivência para com posturas inadequadas e situações que desvirtuem a proposta religiosa do templo. 

O Templo não é feito para os Guias, é feito para as pessoas. Os Benfeitores do Espaço vivem livres pelo Cosmo e não dependem de quatro paredes. Portanto, mais do que um mero ponto de convívio social. Mais do que um local onde se presta a chamada “Caridade”. O templo religioso deve ser colocado a um nível que seja capaz de dialogar com as aspirações humanas. Discutir a questão da morte, dos desafios da vida em família, da vida em sociedade, dos cuidados com a saúde, dos dramas interiores, do papel do umbandista no mundo, da ética religiosa, etc. Proporcionando assim que o seu frequentador tenha uma clara percepção psicológica de que a sua atividade religiosa possui conexão com a sua vida, num todo coerente, exigindo de si uma postura condizente dentro e fora do ambiente do terreiro. 

Saliento que o terreiro deve, necessariamente, servir como um local no qual o indivíduo encontre uma nova proposta de vida. Não deve servir, somente, como um lugar para cumprir meras formalidades da sua vida social-religiosa, mediante a sua presença física desvinculada da emocional e o descompromissado comparecimento a festejos e comemorações. 

Fraternalmente.