quarta-feira, 29 de maio de 2013

A Visão de um Adepto: Ancestralidade

Por: Gregorio Lucio


Na Umbanda, há um termo que corresponde diretamente a um referencial ético, norteador, nas relações humanas vividas e experimentadas dentro do terreiro: a ancestralidade.

Muito falamos sobre a ancestralidade no que se refere às origens histórico-culturais que serviram como base, ao longo do desenvolvimento da nossa sociedade, para o surgimento da Umbanda, tornando-a um fenômeno religioso autenticamente brasileiro. Falamos das etnias que serviram de tronco para a nossa identidade cultural, quais sejam os indígenas brasileiros, os negros africanos e os europeus.

Sabemos que a Umbanda herda da miscigenação e do amálgama de determinados aspectos das práticas religiosas de cada uma dessas matrizes formadoras o conteúdo que irá constituir seu imaginário, seus símbolos religiosos, sua cosmovisão e sua maneira de relacionar-se com a sociedade como um todo.

Mas, nossa idéia aqui é a de tratarmos, não do aspecto sócio-cultural da Umbanda, mas sim da inter-relação humana que vige dentro do templo religioso umbandista lastreado pelo princípio da ancestralidade.

Toda Casa de Umbanda tem um iniciador. Alguém, homem ou mulher, escolhido pelos Orixás, Guias e Protetores, que passa a carregar uma "missão" que é a de servir-lhes de intermediário, para que possam ser manifestadas as individualidades do mundo espiritual, a Aruanda, com o objetivo de trazerem esclarecimento e, principalmente, auxílio e conforto aos necessitados e aflitos.

Imaginando-nos há décadas atrás, sem ir muito longe, podíamos ver uma sociedade em que o desconhecimento a respeito dos fenômenos mediúnicos e espirituais era muito grande. A religião dominante, como ainda o é, o catolicismo, não comporta, pelo menos para a massa leiga, uma orientação aberta e de compreensão para com esse tipo de manifestação que é tão presente em nosso meio social. O transe, a manifestação mediúnica, eram sempre vistos como sendo um traço de loucura ou de possessão demoníaca, ou seja, como algo doentio.

Lembremos dos fundadores de nossos templos, nesse passado, em que a maioria deles nascia em meio a uma família humilde e ignorante (no sentido exato da palavra, desconhecedora) a respeito da sua condição de médiuns. Imaginemos o quanto essas manifestações trouxeram de angústia e de sofrimento para eles, por verem-se no meio de uma sociedade que não os compreendia e os via como doentes ou, pior, assediados pelo demônio.

São essas pessoas, em meio a tais adversidades, que vão conduzir as suas vidas aceitando a condição de compromisso para com o mundo espiritual, por meio de seus mentores e demais espíritos trabalhadores que o acompanham,  servindo como pontes entre a realidade da Aruanda Maior e a nossa vida terrena. Tudo isso para que o objetivo de ajuda mútua, envolvendo os habitantes dos dois "lados" da vida, possa se concretizar. Assumem as suas "missões", iniciam-se na prática mediunista de Umbanda, aceitam o seu caminho, cheio de flores e de espinhos, como seareiros das Leis de Umbanda e, com o passar do tempo e apesar de tantas vicissitudes, prosseguem e fundam suas tendas, terreiros, choupanas, centros, templos...

Enfim, são individualidades espirituais que se encarnam neste mundo trazendo compromissos e assumindo responsabilidades profundas, na condução de comunidades inteiras, zelando, junto de seus mentores, pelo andamento e pelo progresso interior de tantos quantos façam parte do grupamento de seguidores e filhos-de-santo de seus templos. Tornam-se referências ético-morais, mesmo sem o perceber, destas comunidades.

Assim, surgem os Templos de Umbanda que se espalham por todo o nosso país. Aqueles que estão estruturados por um trabalho sólido de atendimento e acolhimento das pessoas que o buscam, com o tempo, constróem em torno de si, uma comunidade fiel que o segue e apóia, tornando-se devota dos Orixás que são cultuados nestas Casas, bem como das entidades espirituais que "baixam" nesses terreiros, trazendo esperança, conforto e caridade para todos os filhos-de-fé.

O grupo de médiuns, a corrente mediúnica, que vai constituindo a força de trabalho destas casas, é formado por indivíduos com histórias e momentos diversos, conforme a realidade vivenciada por cada um. O processo de inter-relação entre as pessoas é enriquecido pelo diálogo, uma vez que a característica fundamental da Umbanda é a chamada "oralitura", ou seja, a transmissão oral do conhecimento e da história espiritual pertinente a cada casa de Umbanda é feita primordialmente pelo diálogo, pela palavra "falada", pela conversa com os mais velhos, pelo ensino que vem da preleção ditada pelo dirigente de cada templo.

Ao longo da história do terreiro, são construídas memórias, conforme as pessoas vivenciam as mais diversas formas da vida espiritual dentro do templo umbandista, seja no dia-a-dia das giras, nas ocasiões de festa e comemorações, nos ritos de iniciação, nos mutirões de limpeza e organização em prol da casa.

Dessa forma, antes de entrarmos no templo de Umbanda em que hoje nos encontramos, devemos lembrar que muitos outros já passaram por lá antes de nós, carregando esperanças, memórias, histórias, conhecimentos, aprendizados, felicidades, frustrações, alegrias, tristezas, realizações...vivências profundas, enfim, tornando-as ligadas àquele ambiente espiritual. Não são só os nossos Guias e Protetores que estão ligados às correntes espirituais de nosso terreiro. Também nós, aos poucos, vamos nos integrando naquela realidade espiritual e, conforme avançamos na história do templo, nosso sentimento de fé, de respeito e de carinho, também nos tornam parte daquele mundo de luz. Não à toa, nossos irmãos de terreiro, mais velhos, quando desencarnam, passam também a fazer parte das correntes espirituais da casa. E, em alguns casos, ao passar dos anos, chegam inclusive a integrar-se como espíritos trabalhadores da casa. Isso é possível,  embora dependa muito da condição espiritual de cada um, afinal, como disse Jesus: "Porque, onde estiver o teu coração, ali estará o teu tesouro".

Embora não seja possível fazermos uma relação direta e proporcional entre tempo e conhecimento, pois nem sempre o fato de realizarmos durante muito tempo alguma coisa, signifique que o estejamos fazendo da maneira correta ou com a qualidade devida, cabe-nos lembrar aqui que, na religião de Umbanda, o papel do mais velho, no caminho da iniciação espiritual da Umbanda é muito importante. 

Os exemplos do mais velho, a sua conduta, são diretamente observados e tendem a ser repetidos pelo médium mais novo. São os mais velhos que lastreiam e detém as memórias que podem ser transmitidas aos mais novos, fazendo com que, tal qual o Mestre Nazareno o fez, partilhando os pães e os peixes, o coração de cada seguidor também se preencha dessas recordações felizes, assim como dos conhecimentos fundamentais para o crescimento espiritual dos neófitos dentro do templo. Quando isso não ocorre, chega-se ao risco de fazer com que se esmoreça a fé, com que a responsabilidade dos papéis se dissolva, com que se perca o referencial e os valores que devem ser cultivados e ensinados, pelo exemplo, insistimos, dentro do ambiente religioso. Isso tudo por que o fortalecimento da fé e do significado espiritual precisa da experiência com o outro, por meio da partilha. Esse é o princípio da Comunhão, a qual deve existir entre os membros da corrente mediúnica, entre os filhos-de-santo, entre os filhos-de-fé.

Portanto, segundo a nossa humilde e limitada visão, devemos sempre lembrar que, antes de olharmos para as coisas e as pessoas que estão inseridas no templo de Umbanda ao qual nos vinculamos, estabelecendo críticas e exigindo mudanças, devemos sempre nos lembrar de que ali há uma história viva, na qual cada um de nós se insere, na medida do papel e das responsabilidades atribuídas a cada qual. Pessoas existem e existiram ali que construíram seu espaço e sua história espiritual naquele templo, e nós devemos respeitar tudo isso, mesmo que diante de dúvidas ou da impossibilidade de compreendermos totalmente determinadas questões, justamente devido à nossa inexperiência...são os passos que ainda não demos pelo caminho que outros, à nossa frente, já caminharam.

Lembremos da Ancestralidade que originou e sustenta a tradição de Umbanda que seguimos em nosso templo e não nos esqueçamos, em nossas orações, dentro e fora do nosso terreiro, de pedirmos a benção e a cobertura desses irmãos mais velhos que nos antecederam, junto de seus Guias e Mentores de Luz, nesta etapa da jornada espiritual.

Assim, peço a benção aos mais velhos e dirijo meu  preito de respeito aos mais novos, como eu.

Saravá a todos!

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Oferendas aos Orixás

(Capítulo extraído da obra Diário Mediúnico, autor Norberto Peixoto)

Muitos médiuns vêm nos perguntar quais oferendas podemos dar no dia de determinado Orixá. Passaremos agora uma receita básica, que pode ser utilizada para qualquer Orixá ou entidade:

- um pacote de amor, em pó, para que qualquer brisa possa espalhar às pessoas que estiverem perto ou longe de você;

- um pedaço generoso de fé, em estado rochoso, para que seja inabalável;

- algumas páginas de estudo doutrinário, para que você possa entender as intuições que recebe;

- um pacote de desejo de fazer caridade desinteressada, sem retribuição, para não "desandar" a massa.

Junto tudo isso em um alguidar feito com o barro da resignação e da determinação e venha para o terreiro. Coloque em frente ao congá e reze a seguinte prece:

Pai, recebe esta humilde oferenda dada com a totalidade da minha alma e revigora o meu físico para que eu possa ser um perfeito veículo dos teus enviados. Amém.

Pronto! Você acabou de fazer a maior oferenda que qualquer Orixá, Guia ou entidade pode desejar ou precisar.

Você se dispôs a ser médium!

Conduta dos Médiuns

"Com relação a conduta dos médiuns para com as entidades, a Umbanda tem por norma seguir os seguintes tópicos:

O médium de verdade deve ter em mente que na Aruanda todos são iguais (se há diferenças na hierarquia é porque os que chefiam, são as que mais trabalham e menos falam...). Isto quer dizer que os médiuns não devem sequer pensar que sua entidade é melhor do que seu irmão, as entidades de Aruanda preferem que seus filhos falem menos e trabalhem mais pelo seu próximo.

Não há necessidade de "chamar" seu protetor em qualquer hora ou lugar, principalmente evite falar de sua mediunidade em bares ou na rua. As coisas da espiritualidade devem ser discutidas na tranquilidade, e com pessoas que queiram falar do assunto.

Nunca fale mentiras ou cometa erros em nome da sua entidade, pois nenhuma entidade de Umbanda acoberta isto ou aquilo dos seus cavalos.

Se alguém precisar de ajuda e você precisar ir até a residência desta pessoa, procure não incorporar, apenas peça orientação e guarda do seu mentor, com certeza ele estenderá sua proteção e devida instrução ao consulente.

Não é em todo lugar que os nossos protetores "baixam", nem todo lugar é sagrado e num ambiente pesado, não há a mínima vibratória para sua atuação.

Nunca desobedeça as ordens da sua entidade, nunca queira fazer algo que você acha que ela faria. Espere sua orientação, por exemplo, não encha seu pescoço de guias pensando que seu protetor parecerá "forte" aos olhos do consulente.

A VERDADEIRA FORÇA ESTÁ EM SER HUMILDE E HONESTO, tenha certeza que sentirá seu protetor com maior intensidade".

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A Força que nos dá Vida

(capítulo extraído da obra Diário Mediúnico, autor Norberto Peixoto) 

Sou procurado frequentemente por dirigentes e médiuns de outros terreiros, buscando orientação. Como as portas da choupana estão abertas a todos que a procuram, sinto-me confortável em dar minha opinião fundamentada na umbanda que praticamos. Afinal, se nossa ritualística e seus usos e costumes estão servindo de balizamento para outros terreiros, fico tranquilo quando me chamam de intolerante, fundamentalista, coisa e tal.

Ninguém é obrigado a nada, e não abro mão de alguns fundamentos. É impensável, em minha modesta opinião e na dos guias que me assistem, praticarmos uma umbanda com imolação animal, corte ritual, sacrifício e derramamento de sangue, uma vez que essas práticas não combinam com a caridade, que é a essência da umbanda.

Antes de transcrever o conteúdo de uma carta – consulta – que me foi endereçada, farei algumas digressões, para depois abordar o foco deste capítulo, com base nos questionamentos de outro dirigente de terreiro que escreveu a missiva, sabedor de que o tema e meus pontos de vista serão polêmicos.

Como já é de regra e compromisso, os amigos espirituais capitaneados no astral por Ramatís, abordam esses assuntos segundo um escopo cósmico universal, que os outros espíritos não querem, por não poderem ou por falta de simpatia mesmo, extrapolando a doutrinação religiosa – evangélica – reencarnacionista, disseminada no meio, e espiritualista tradicional.

Não sou simpático à palavra “tolerância”, pois entendo que os que são tolerantes estão “autorizando” que alguém faça ou deixe de fazer algo, quando não estão suportando.

Em religião, fala-se sobre tolerância como se fosse necessário suportar algo menor, inferior e que nos incomoda. Como cada um é livre e pode decidir o que fazer de sua vida e de sua mediunidade, na verdade, não é necessária a tolerância de outro para fazermos o que temos que fazer. Claro está que a intolerância pode nos levar a agredir os outros, como acontece com os evangélicos neopentecostais, em relação aos cultos afro-brasileiros e à Umbanda.

Há de se considerar que o fato de eu não ser a favor dessa hipocrisia, que é a tolerância religiosa da maioria com as minorias, não me faz intolerante. Se não preciso autorizar o ato de quem quer que seja – e as pessoas não precisam disso –, e nem tenho esse poder, então, que cada um seja responsável por si e cuide dos “boizinhos em seu cercado”, como dizem no Sul.

A lógica é simples: se as pessoas não necessitam de minha autorização para fazer o que quer que seja, não estarão sujeitas a nenhuma ação repressiva de minha parte; e nem tenho poder. A tolerância e a intolerância, no fundo, são a mesma coisa: a primeira faz entender que possuímos o poder de permitir; e a segunda, de restringir.

Temos que respeitar a opinião do outro e seu direito universal de liberdade religiosa. Nesse sentido, tenho uma atitude passiva: só opino quando sou procurado. Com essa atitude, fico em paz com a justiça universal e precavido contra os ataques magísticos que naturalmente ocorrem contra um zelador de terreiro de umbanda.

A coisa é muito singela: se sou procurado, é o livre-arbítrio e a vontade de quem procura que estão atuando. Então, o Cosmo está ao “meu lado” e Xangô – orixá da justiça – me apoia.

Infelizmente, na atualidade do movimento umbandista, prega-se uma tolerância hipócrita e irrestrita à diversidade. Claro, desde que isso não contrarie os que assim pregam. Objetivamente, se você não faz matança em sua casa e não cobra, e posiciona-se contrário a essas práticas, fundamentando que isso nada tem a ver com a essência caritativa da umbanda, você é rotulado de retrógrado, fundamentalista, intolerante e sectário. Paradoxalmente, os que preconizam a tolerância irrestrita à diversidade tornam-se intolerantes, quando discordam do que dizem.

Hoje vivemos a umbanda do vale-tudo, em que se defende uma diversidade fundamentada em uma falsa tolerância, uma frágil convergência para angariar adeptos a determinada escola, um estreito respeito incondicional às diferenças. Desde que sua opinião não seja diferente da minha, tudo pode ser feito, tudo é umbanda, como se todos os pássaros pudessem botar os ovos no mesmo ninho, sem comprometer a ninhada.

Ah, algumas raposas estão rindo com isso, pode crer, com seus ninhos cheios de ovos “roubados”, que elas não conseguem botar. Ou seja, todos os fundamentos e preceitos de outras religiões são parte da umbanda, tudo é convergente, e a umbanda abarcaria todos os níveis de consciência.

Enfim, segue a transcrição da carta-consulta recebida, em que, por situação óbvia, omito os nomes dos envolvidos:

“Sou zeladora de um terreiro que herdei de minha mãe, que foi a fundadora. Faz onze anos que estou à frente do congá. Como estou me sentindo um pouco fraca, esquecendo as coisas, o que está me deixando insegura quanto à sintonia com meus guias, fui aconselhada por outro sacerdote de nossa religião a me fortalecer no candomblé, continuando na umbanda. Como é pessoa de grande influência em nossa comunidade religiosa, resolvi procurar o Ilê – terreiro – de candomblé que ele me indicou. Confesso que por curiosidade e também por receio de o contrariar e acabar perdendo o amigo, pois ele mesmo é iniciado nesta religião e expressivo líder umbandista. Então, no jogo de búzios desta casa, fui orientada a dar um bori para equilibrar, acalmar e centrar meu ori, para que eu possa continuar desenvolvendo meu lado mediúnico na umbanda. Sou umbandista e pretendo continuar a ser, como já disse, estou me sentindo muito fraca, com a cabeça cansada, raciocínio difícil. Confesso que fiquei ainda mais insegura após o jogo de búzios. Os médicos dizem que não tenho nada. As entidades da umbanda idem. Então, consultei os búzios com esta ialorixá – sacerdotisa –, por indicação e que já a conhecia de nome. Ela disse ter saído no jogo “odu de iniciação” e que também os búzios diziam que preciso passar por um bori, antes de qualquer coisa. Como a consulta de búzios já se estendia por mais de duas horas e eu havia feito diversas perguntas e conversado muito com a ialorixá sobre umbanda e candomblé, ela continuou jogando. Aí uma entidade (muito semelhante a um preto-velho) se manifestou comigo, mas não consegui sintonizar direito. Continuando o jogo, ela disse: “Olha aí, de novo odu de iniciação”. Não compreendi muito bem o que viria a ser exatamente isso, mas resolvi não perguntar, pois ela disse: “É, mas, antes de nos aprofundarmos mais, você precisa dar um bori para centrar e acalmar o seu ori”. Quanto à entidade que se manifestou, ela disse achar que era a vibração do orixá, confirmando a necessidade de dar comida à minha cabeça e que não era nenhum preto-velho ou outro trabalhador que me acompanhasse, pois ali não era permitida a entrada de eguns – espíritos. Gostaria de me fortalecer, quem sabe fazer o bori, e estou relutante, por causa do uso do sangue neste ritual. Sou ainda carnívora, moderada, comendo só peixes, então, não me considero melhor do que os que comem carne em ritos sagrados. É que minha consciência não se identifica com a imolação. O que realmente temo são as entidades de baixa vibratória que poderão ser atraídas pelo sangue, durante o bori e depois dele, e as consequências desse ritual em minha vida, pois, embora o sangue tenha propriedades magísticas reconhecidas, sei que atrai entidades densas e larvas astrais. Como boa estudiosa dos assuntos do plano espiritual, vejo-me diante de uma grande dúvida: dar ou não bori. Gostaria muito de uma terceira opinião, se for possível, pois, após o jogo de búzios, tenho a impressão de que fiquei mais perturbada, estou dormindo mal e com a impressão de que estou sendo vigiada a todo o tempo. 
Agradeço a Deus e aos orixás, se tiver uma orientação”.

Primeiramente, é preciso explicar o que quer dizer bori. Da união de duas palavras em ioruba, “bó”, que significa oferenda, e “ori”, que quer dizer cabeça, surgiu o termo aportuguesado bori, que, traduzido, significaria “oferenda à cabeça”. No aspecto ritual e litúrgico do candomblé, trata-se de uma iniciação à religião. Na verdade, uma expressiva iniciação, sem a qual nenhum noviço poderá passar para os rituais de raspagem e catulagem, ou seja, raspar a cabeça e, com o sangue derramado, fazer um corte ritual na altura do crânio, fixando o orixá – no rito dessa religião – no iniciante.

Então, bori é uma iniciação ao candomblé, com sacrifício animal, sem a qual nenhum noviço pode passar pelos rituais e demais graus iniciáticos, ou seja, é a primeira iniciação rumo ao futuro sacerdócio.

Na verdade, enfeixa-se a fórceps, de maneira violenta, uma energia no chacra coronário [centro de força espiritual, localizado no alto da cabeça, a coroa], em uma linha vertical, diretamente na glândula pineal, o centro orgânico receptor da mediunidade, fazendo literalmente o recém-iniciado “refém” de uma força exterior, que entendo seja um desencarnado, em conformidade com as leis universais que regem a vida dos espíritos no mundo espiritual, quer acreditemos nisso ou não, pois essa verdade independe de crenças e dogmas religiosos existentes na Terra.

O bori prepararia a cabeça para que o orixá pudesse se manifestar plenamente. Dentro do contexto religioso que é realizado, com sacrifício e sangue, em um rito de troca, bem como todos os outros demais elementos rituais que constituem a oferenda à cabeça, exprimem desejos e rogatórias comuns: paz, tranquilidade, saúde, prosperidade, riqueza, boa sorte, amor, longevidade. Caberia ainda ao ori – cabeça – de cada um eleger prioridades, em conformidade com seu odu – destino. Uma vez cultuando e renovando as oferendas como exigido, proporcionar-se-ia aos seus filhos, em troca do que se recebe, o que há de melhor e o que falta na vida de cada um.

Mais sério do que fazer a iniciação é ter de renová-la regularmente, bem como suas oferendas, sob pena de severas reprimendas e negatividades espirituais. Existe uma dependência fluídica dos espíritos que tomam conta da “cabeça” do iniciado, que, por sua vez, ficará dependente dos elementos, para que tudo em sua vida e em sua saúde corra bem.

Esse assunto é velado, segredo, mas a verdade é que existem muitas pessoas que obrigatoriamente tornam-se viciadas em agradar o “santo”. São as chamadas obrigações. Agrava-se essa situação pelo fato de tudo ser muito bem pago, principalmente o sacerdote que comanda o rito.

Com todo o respeito que tenho em relação a qualquer outro culto ou religião, especialmente ao candomblé, minha consciência não me permite aceitar e muito menos ser favorável a matar em um rito sagrado, mesmo que seja em outra crença. Nem cogito de ritos com outras finalidades que não sejam o intercâmbio com o sagrado, porque aí o caldo entorna de vez.

Entendo que a sacralidade, o divino, é, antes de tudo, uma ode – um canto de louvor – à vida planetária. Veneramos os orixás na forma nagô e absorvemos muito dos fundamentos de sua cosmogonia na umbanda, que praticamos em nossa choupana. Temos amparo dos orixás, de Nanã, Omulu, Iansã, sem precisarmos derramar uma gota de sangue.

Certamente, em vidas passadas, já fui sacerdote africano, líder de um clã tribal, matando para os orixás, almejando boas colheitas, fertilidade para as mulheres e saúde para as crianças. Contextualizando, isso não me faz melhor ou mais evoluído do que quem assim o faz hoje. É uma questão de entendimento e consciência. Meu espírito entende, hoje, que o culto aos orixás é diferente do passado e que o sagrado deve nos libertar e expandir nossa consciência, levar-nos ao zênite espiritual, de dentro para fora, sem fazer sofrer, despertando internamente nosso potencial crístico e atraindo perenemente, sem obrigações de oferenda para troca, pela lei universal de atração e afinidade, felicidade, saúde, prosperidade e bonança em nossas vidas. Deus é amor e todo provedor. Este é o papel de um sacerdote na atualidade – diferente de antigamente: mostrar aos seus filhos – iniciados – o caminho, que é só deles, sendo totalmente livres para seguí-lo ou não, sem quaisquer obrigatoriedades. É o livre-arbítrio que vai ditar a relação com o sagrado.

Então, como pode um bori combinar com a essência da umbanda, que é caritativa? Será que está faltando mediunidade na umbanda?

Já falei sobre esse assunto por diversas vezes; perdoem-me se vamos nos tornar repetitivos.

Precisamos pensar com surgiu na umbanda a vinculação com sua essência: fazer caridade. Sem dúvida, a ligação da umbanda com Jesus e com a caridade desinteressada foi instituída pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, por intermédio da mediunidade cristalina de Zélio de Moraes.

Há de se refletir sobre o fato de esse canal mediúnico, desobstruído, natural, simples, não ter tido nenhuma iniciação na Terra, não ter feito raspagens e nunca ter precisado de sangue ou corte ritualístico para reforçar seu tônus mediúnico. A iniciação foi dispensada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, que preparou seu médium em muitas encarnações, antes da atual personalidade ocupada.

Está claro que os guias que estão conosco não precisam desse elemento para vibrar em nossas cabeças, em nossos chacras coronários [coroa mediúnica], e nossas glândulas pineais. Imaginemos as repercussões nefastas na mediunidade de um dirigente de umbanda que coloca sangue em sua cabeça. Pode continuar fazendo a caridade, mas com certeza não é mais livre em sua mediunidade, e outras entidades ocupam a frente de sua sensibilidade.

Tentem romper com ciclo de oferendas repositórias, para ver o que acontecerá com o tônus vital, depois de haverem raspado a cabeça em um bori.

Por que será que um “orixá” precisa de um elemento vital como o sangue para se fixar em um médium e não abre mão disso? Qual a intenção oculta dessa troca obrigatória? Pensemos: reduzir a movimentação energética – o axé e seu ciclo retrovitalizador –, que fortalece os aparelhos mediúnicos, ao derramamento de sangue pelo corte sacrificial, é uma visão estreita, fetichista, do sagrado, é uma posição reducionista, que demonstra dependência psicológica dos médiuns e dirigentes e dos espíritos do lado de lá, que vivem na crosta e precisam se alimentar fluidicamente, para não enfraquecerem.

Então, pegam uma parte etérea dessas oferendas para si, e o restante movimentam em favor daqueles que as ofertam. Nada de caridade, é tudo troca.

Na atualidade, verifica-se que esta “práxis” extrapola os limites de fé dos antigos clãs tribais e está inserida na variedade racial da sociedade, ao mesmo tempo confrontando-a, já que objetiva a manutenção financeira de cultos religiosos e o prestígio de seus chefes, dado que o sangue equivocadamente está ligado à força, ao poder, à resolução de problemas e à abertura dos caminhos. Saber manipulá-lo, ter cabeça feita, ser iniciado no santo simboliza esse poder. Esse apelo mágico divino atrai mais que retrai, pelo natural imediatismo das pessoas em resolver seus problemas.

Precisamos ter consciência de que o próprio aparelho mediúnico é o maior e o mais importante vitalizador do ciclo de movimentação das forças cósmicas ou axé. A cada batida de seu coração, o sangue circula em todo o seu corpo denso, repercutindo energeticamente nos corpos mais sutis [que compõem o nosso corpo espiritual] e volatilizando-se no plano etéreo. Dessa forma, os espíritos mentores, que não produzem essas energias mais densas e telúricas, valem-se de seus médiuns, que fornecem vitalidade necessária aos trabalhos caritativos aos necessitados.

Há os espíritos que são serviçais, diante dessas trocas, e escravos desses fluidos. São dignos de nosso amor, amparo e esclarecimento.

Quais seriam os motivos da popularização entre dirigentes e médiuns umbandistas do hábito de fazer iniciações em outros cultos? No caso em questão, seria para reforçar o tônus fluídico e mediúnico do dirigente.

Será que fazendo o corte ritual, no alto do crânio, assentando o “orixá”, ter-se-á mediunidade mais forte e maior vitalidade e saúde? Com certeza não. Infelizmente, cada vez mais se verificam terreiros que se rendem ao apelo mágico desse tipo de iniciação, introduzindo raspagens, camarinhas, cortes ritualísticos. Que “umbanda” é essa?

Nunca é demais relembrar o Caboclo das Sete Encruzilhadas. A manifestação mediúnica cristalina, inequívoca, em um jovem de dezessete anos.

Quem tem mediunidade, quem tem coroa para trabalhar já vem com ela antes de encarnar, não precisa pagar para ninguém firmar seu santo, assentá-lo em sua glândula pineal, com sacrifício animal e sangue.

Mediunidade é dom de Deus, de Olorum, dos Orixás.

Preservemos nossa pérola mais oculta, a sagrada mediunidade, na divina luz.

Louvemos nossa amada Umbanda, a força que nos dá vida, e não que a tira.

Refletiu a luz divina
Com todo o seu esplendor.
Vem do Reino de Oxalá,
Onde há paz e amor.
Luz que refletiu na terra,
Luz que refletiu no mar,
Luz que vem lá de Aruanda
Pra tudo iluminar.
Umbanda é paz e amor.
É um mundo cheio de luz.
É força que nos dá vida
E a grandeza nos conduz.
Avante filhos de fé,
Como a nossa Lei não há.
Levando ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Os Orixás nos Ensinos de Jesus - Umulu/Nanã Buroquê


(trecho de capítulo da obra Umbanda Pé no Chão, autor Norberto Peixoto)

Jesus e os Ensinamentos dos Orixás contidos nos Evangelhos 

UMULU/NANÃ BUROQUÊ é a transformação, a necessidade de compreensão do carma, da regeneração e da evolução. Representa o desconhecido e a morte, a terra para a qual voltam todos os corpos, a terra que não guarda apenas os componentes da vida, mas também o segredo do ciclo da vida, a transmutação. 

Umulu conhece a dor da transformação, o desapego e a libertação do ego, para que haja compreensão do espírito imortal e livre, porque o espírito sopre aonde quer. A
morte, não só no aspecto físico, mas a morte de crenças e valores arraigados que não servem mais e que acabam por enrijecer e estagnar a caminhada por medo de mudar, de conhecer a si mesmo. 

Nanã recolhe o espírito no momento do desencarne, logo após o corte do cordão de prata feito por Umulu, e o encaminha ao plano espiritual de forma amorosa e com a paciência de quem conhece as dores da alma e o receio de encontrar a si mesmo, respeitando a individualidade e o momento sagrado de cada um, no seu rito de passagem à outra dimensão. 

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo (Capítulo 4), Jesus disse a Nicodemos: “Em verdade, em verdade, digo-te que ninguém pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo”. “ O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do espírito é Espírito”. “Não te admires que eu tenha dito que o espírito sopra aonde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem e nem para onde vai: o mesmo se dá com o homem que é nascido do Espírito”. Nessa passagem, o Mestre nos esclarece que homem é co-criador com Deus, gera o corpo carnal que vai abrigar o Espírito que é de Deus, para que possa cumprir sua missão na Terra. O corpo procede do corpo e o espírito independe deste. 

Já a “pluralidade das existências” e a “reencarnação” estão subentendidas no trecho “o espírito sobre aonde quer” [e “ninguém pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo”]. A reencarnação é a forma de fortalecer os laços de família, em que muitas criaturas se reúnem pela afeição e semelhança das inclinações para trabalhar juntas pelo mútuo adiantamento. Mas, a maioria das vezes, a parentela carnal necessita reajustar-se e voltar a amar, pois este é um elo frágil como a matéria e com o passar do tempo se extingue. Por isso, muitas pessoas se sentem estranhas no lar onde habitam, pois ali estão para ajudar umas às outras até que esses laços se rompam de forma natural. Isso ocorre porque contraíram débitos em outras existências, e terão de pagar ceitil por ceitil, trabalhando a compreensão, o reajuste e a aceitação das imperfeições próprias e alheias. 

Conforme o grau evolutivo de cada espírito, há um lugar para viver entre uma encarnação e outra. Quanto mais evoluído o espírito, mais liberdade tem em estado de ventura e amor. Quanto mais comprometido, mais reencarnações, mais necessidade tem de superar as suas dificuldades e dores. Porém, Deus em Sua infinita bondade e amor, não abandona os Seus filhos e enviou-nos Seu anjo de amor, para nos ensinar sobre o reino dos céus, que não é deste mundo, e em Seu momento de maior dor rogou a Deus por nós: “Pai, perdoai-vos porque eles não sabem o que fazem”. 

A Umbanda, em seu trabalho de amor e caridade, leva a palavra de conforto e esclarecimento aos que sofrem, e se espelha nesta parábola de Jesus: “E o semeador saiu a semear...”, não importando se o terreno ainda é árido, se existem espinhos, se os pássaros comem as sementes, pois pode ser que a semente caia em solo fértil, no terreno daqueles que sabem que precisam trabalhar dentro de si a compaixão, a humildade e o amor ao próximo. Os benfeitores espirituais vão estar sempre a disseminar o Evangelho de Jesus e a nos assistir e orientar, incansavelmente, em nossa jornada terrena. 

Nossa profunda gratidão pela oportunidade que nos é dada de despertar a consciência para o servir e o aprendizado do amor, que ainda é pequeno em nós, porque para eles somos crianças espirituais em aprendizado.

sábado, 4 de maio de 2013

Os Orixás nos Ensinos de Jesus - Iansã


(trecho de capítulo da obra Umbanda Pé no Chão, autor Norberto Peixoto) 
Jesus e os Ensinamentos dos Orixás contidos nos Evangelhos


IANSÃ é o movimento, a necessidade de mudança, de deslocamento. Representa a rapidez no raciocínio [no pensar coerentemente], o raio, a coragem, a lealdade e a franqueza. Higieniza os pensamentos; atua nos campos santos, em auxilio aos desencarnados, e no despertar da consciência. Está ligada a orientação e a educação. Representa a luta contra as injustiças. Sua propensão é trazer equilíbrio às ações humanas. Atua junto com Xangô na Justiça, na aplicação da Lei Cósmica.

Quando o Mestre Jesus referiu-Se aos que estavam dispostos a apedrejar uma mulher adúltera em praça pública, dizendo-lhes: “Aquele que estiver sem pecado que atire a primeira pedra”, todos foram saindo em silêncio e O deixaram a sós com ela. Então, olhou-a bem no fundo de seus olhos e disse: “[Nem Eu também te condeno] Vá e não peques mais para que não te aconteça algo pior”. Neste momento, o Mestre manifestou novamente o “não-julgar”, a reflexão, a oportunidade de recomeçar e a necessidade de mudar de atitudes, para poder prosseguir na caminhada evolutiva.

Em outra passagem do Evangelho, diz Jesus: “Não vim trazer a paz, mas a espada [no sentido de divisão]. Vim para lançar fogo à Terra; e o que é que desejo senão que ele se acenda?”. Essa é uma atuação clássica da energia de Iansã, simbolizada no raio, como força da natureza. A idéia nova de Jesus encontrou resistência, incompreensão; trouxe à luz as verdades divinas sobre o reino dos céus, e incomodou a crença materialista de Sua época, que submetia seu povo à violência e abusos das mais variadas ordens.

Quando “imolaram O Homem” no martírio da cruz, pensaram que haviam resolvido a questão, mas a idéia de Jesus permanece até hoje. Seu chamado continua sendo A Boa Nova [Evangelho significada “Boa Nova”], a conquista do espírito sobre a matéria, a liberdade do ser, e não a escravidão do ter, a comunhão com o Criador, irradiando amor incondicional sobre todas as criaturas e a natureza. Ela nos instrui sobre as dificuldades dentro da própria família, as incompreensões por estarmos reunidos na carne, mas com etapas evolutivas diferentes, não partilhando da mesma crença.

Iansã é o fogo, posto que a mediunidade é um fogo sagrado, um “dom” que nos foi ofertado por Deus para corrigir nossas imperfeições e nos ensinar a amar e a servir com humildade. É o fogo da Criação, a capacidade de superar-se, porque as leis cósmicas não permitem estagnação por muito tempo: exigem a nossa evolução, ou seja, o potencial divino que habita cada ser necessita ser externado como chama viva, e não vibrar como brasa que não é alimentada, ou fagulha que se apaga. Por isso, temos o livre-arbítrio para escolher entre o servir e amar, ou simplesmente ser uma criatura acomodada e ociosa. A escolha é inteiramente nossa, e a responsabilidade também. A pressa de que o fogo se acenda é para que haja a transformação do homem, para que cessem as guerras e as divisões internas e externas, visto que a paz nasce dentro do coração do ser.

E segue Jesus, no Sermão do Monte: “Bem-aventurados os pobres e os aflitos...”; “Bem-aventurados os pacíficos e os simples de coração...”; “Bem-aventurados os sedentos de justiça e de misericórdia..”. É o despertar do homem de bem.