sábado, 2 de março de 2013

Simbolismo da Cruz

(trecho extraído da obra Umbanda - Essa Desconhecida, autor Roger Feraudy)

Ivan - De onde provém o simbolismo da cruz e quais as razões reais de sua adoção pelos povos primitivos?
Pai Velho: Inicialmente, vamos procurar sua antiguidade histórica para, depois, darmos as razões simbólicas de sentido profundamente oculto.


Encontramos uma de suas primeiras origens na Índia Védica, nos mistérios do fogo sagrado instituído por Rama. O culto de Agni, nos antigos mistérios, é a manifestação da divindade do plano material - Deus Imanente.

O fogo sagrado era produzido, entre os primitivos povos védicos, por dois madeiros cruzados que, pelo atrito de um sobre o outro, produziam a primeira chama. Nessa operação, meu filho, existe um mundo de simbolismo e conhecimento oculto. Por um lado, no seu aspecto transcendente, é Agni o Sol, que é o salvador dos homens das trevas da noite, dando-lhes com seus raios o calor necessário à vida. Esotericamente, também, dissipa as trevas da noite da ignorância. No seu aspecto imanente, terreno, Agni é o Salvador e o Libertador, pois seus raios trazem a claridade, o calor e a luz. O fogo e o sol são fonte de luz, de calor e de vida. Ambos dissipam as trevas. Assim, o homem adora a luz como verdadeiro Deus, sendo que no mundo astronômico, transcendental, a sua personificação é o sol e no mundo físico, da matéria, no seu aspecto imanente, a sua personificação é a cruz.

Daí, "zi-Ivan", ser a cruz sagrada, pois é por meio dela que se manifesta no universo visível o Deus transcendente. Simbolicamente, é a primeira crucificação da deidade, por meio do sacrifício. Porque, manifestando-se, sacrifica-se a si mesmo na cruz da sua renúncia cósmica. É o sacrifício cósmico da libertação, um sacrifício por amor que, ao mesmo tempo, é redenção e salvação. É a salvação no sentido de estar presente na humanidade inteira e na menor partícula do Cosmo manifestado. Tal é o sentido do crucificado, onde, atado ao madeiro, o leito duro da provação, o iniciado sofre a morte de suas paixões carnais e, depois, esse mesmo madeiro de suas paixões torna-se a "árvore da vida nova", de onde renasce como iluminado.


Por isso, a primeira chama, a primeira fagulha do fogo sagrado entre os Vedas era chamado de "o menino". É o divino salvador, Agni. E é por isso que José, pai de Jesus, portanto, pai de Deus, é chamado o carpinteiro - aquele que faz a madeira para ser atritada e dar nascimento ao fogo sagrado. Analogamente, o pai do fogo, o pai do Deus Agni.

Poderíamos, graficamente, representar dessa forma o simbolismo do fogo e da luz:

DEUS - LUZ - CRUZ

De outra forma, meu filho, podemos ainda citar, a título de conhecimento histórico, um fato bastante interessante: quando os jesuítas chegaram ao Brasil, encontraram a cruz sendo adorada por todos os povos tupis-guaranis. Os aborígenes brasileiros davam à cruz o nome de "curuçá" e adoravam-na como símbolo do poder criador, o fogo sagrado.

No idioma "nhengatu", "curu" significava "fragmento de pau" e "ça", "gritar ou produzir som estridente". O mesmo som do fogo crepitante da madeira. O simbolismo, meu filho, e evidente por si só e nos dá perfeita correlação com o simbolismo pré-védico.

Sob o ponto de vista oculto, a cruz simboliza os quatro pontos cardeais, ou, ainda, os quatro estágios da passagem do homem pela matéria: nascimento, vida, morte e imortalidade (iniciação).

Chegamos, agora, ao ponto alto do simbolismo hermético e, para poder esclarecê-lo, vamos verificar qual era a técnica primitiva das cerimônias sagradas desses povos para se produzir o divino salvador Agni.

Entre os dois madeiros para se friccionar havia, no centro, uma cavidade, na qual era introduzido um cone que, posto em rápido movimento circular com uma tira de couro, produzia a chispa que se tornaria em fogo sagrado. O cone introduzido na cavidade é, assim, o Pai que dá origem ao fogo. Porém, não o verdadeiro Pai, mas o pai putativo do deus que irá nascer. Daí, alegoricamente, ser São José o pai putativo de Jesus, e não o verdadeiro pai. Perfeitamente igual ao sacerdote do fogo sagrado, pai putativo de Agni.

Porém, para se avivar a chama de conservá-la inicialmente como poder e vida, soprava-se a chama nascente. É o sopro da vida a que se refere a Gênese no seu capítulo II.

O simbolismo se completa. A cruz é a mãe; o cone que penetra o orifício central, é o pai, não porém o verdadeiro, mas o pai putativo e, assim sendo, a mãe continua virgem porque não é o verdadeiro pai que nela penetra; o sopro ou o vento que aviva a chama é o Espírito Santo, aquele que dá a vida e, finalmente, a chama é o Filho de Deus Pai. Estamos de posse de todos os elementos que vão compôr a palavra sagrada  Aumpram: Pai, Espírito Santo, Mãe e Filho.

No sânscrito, encontramos, ainda, maiores simbolos ocultos. Assim, a palavra "puttra" (filho), associada a "punya" (belo, puro), origina filologicamente a palavra "filho purificador" - Agni. Ora, Put é um dos infernos da mitologia indiana e o sufixo "tra" empresta à palavra "puttra" o sentido de libertação. Assim, literalmente, "puttra" é "libertador do inferno put".

 Como verificamos anteriormente, a cruz era usada nos mistérios da Iniciação, onde o neófito colocado deitado, com os braços abertos em cruz para, então, renascer de novo para a vida espiritual. A analogia é clara. O candidato à Iniciação, deitado sobre a cruz, identifica-se com a divindade e é salvo do inferno de suas paixões, vence a matéria e o egoísmo da personalidade separatista. Nasce para uma nova vida, a vida do Espírito. Renasce salvo do inferno da dúvida, da incompreensão e da ignorância que o mantém prisioneiro da ilusão dos sentidos. É um novo renascimento. Puttra o salva de Put. É o símbolo sagrado da Iniciação. E é um renascimento virginal, pois ele nasce de uma mãe virgem e de um Pai Divino, é um Filho de Deus.

Daí se origina, sem dúvida, "zi-Ivan", o mistério da paixão de Jesus Crucificado, a paixão verdadeira do Getsêmani, em que o homem que atinge o grau de Adepto ou Mestre está completamente só, totalmente desamparado na matéria. É uma solitude impressionante e absoluta, que só aqueles que atravessam essa fase podem entender completamente. Aí está o verdadeiro sentido da paixão, do sacrifício, do sofrimento e da morte da matéria. Depois de morta a matéria, depois de morta a personalidade, o homem renasce ou ressuscita no homem verdadeiro, o homem real, o Iniciado, o Mestre que já não é mais um ser, um "eu" individual, mas um ser Uno com o Divino Senhor do Universo".





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