quarta-feira, 3 de abril de 2013

Surra de Santo Pode?

(capítulo extraído da obra Diário Mediúnico, autor Norberto Peixoto)

Com frequência maior do que se imagina, chegam-nos pessoas preocupadas e amedrontadas, porque acreditam que, se não fizerem a vontade do guia e não atendê-lo nas oferendas solicitadas, suas vidas voltarão para trás. Outras informam que ficam doloridas após as incorporações e se recusam a fazer obrigação ao Orixá, para que isso não mais ocorra.

Vamos por partes. Primeiro, há de se esclarecer algumas características do desenvolvimento mediúnico. Os chacras [centros de energia do corpo espiritual] do médium neófito giram em frequência muito abaixo daquela das entidades do plano astral que o assistirão. Temos de entender que toda incorporação, aos moldes umbandistas, passa pelo processo de desdobramento, ocasião em que o perispírito [corpo espiritual] do médium se coloca ou se expande ou torna-se mais desencaixado da matriz carnal, para que o espírito-guia se aproxime e impressione, pela sensibilidade de seu aparelho.

Inicialmente, esse processo, se não bem conduzido em sua intensidade, dado que a frequência dos chacras da entidade é significativamente mais alta que a do médium, poderá provocar “violência” vibratória, que impactará em uma repercussão orgânica dolorida. Isso é verdadeiro. Essa violência não é do mentor, e sim do dirigente do terreiro, que não tem critério adequado, impondo incorporações anímicas [quando o transe é manifestado pela ação do inconsciente do próprio médium, não sendo gerado pela presença de um Espírito] mais fortes, como, por exemplo, nos casos de longas e extenuantes sessões de desenvolvimento, com o som dos atabaques ao máximo, sendo tocados ininterruptamente, por horas, fazendo os médiuns dançarem e rodopiarem. Nada contra a sonoridade de uma boa curimba, e sim contra os exageros.

Agrava-se essa situação quando esses testes de resistência são feitos em altas horas da madrugada, sem hora para acabar. Não há musculatura que não fique dolorida no dia seguinte, e o coitado do guia acaba sendo o responsável pela dita “surra de santo”.

[Há também que se considerar os excessos dos próprios médiuns, ou porque não estão devidamente concentrados e sintonizados no trabalho (distraídos com conversações inadequadas, risos de zombaria, intenções questionáveis, etc) ou porque que trazem consigo uma crença de que precisam fazer parecer autêntica a sua incorporação, para isso jogando-se e girando com violência contra os demais médiuns, tremendo-se exageradamente e dando grande trabalho para os cambones e demais orientadores, esquecendo-se de que o fenômeno espiritual deve ocorrer de maneira harmoniosa, quase que imperceptível para quem vê, embora de grande intensidade para quem o experimenta, pois trata-se de uma ligação que se estabelece num nível essencialmente mental-espiritual, gerando um estado orgânico característico (aumento da frequência da respiração, do batimento cardíaco, sensação de torpor em determinadas áreas do corpo, etc) mas que deve ser totalmente comandado pelo médium].

Ocorrem, também, casos de médiuns que, recém-iniciados nas consultas, não sabem dosar a intensidade da entrega no auxílio aos consulentes. Querendo ajudar a todos ao máximo, acabam por absorver para si em excesso as energias deletérias do atendido, e aí não há guia que consiga descarregar a contento, ao final dos trabalhos, sem que se aparelhos fiquem doloridos no dia seguinte.

Com o exercício mediúnico continuado praticado durante as consultas, rapidamente o medianeiro aprende a dimensionar suas energias e não se deixa ser sugado demasiadamente. Obviamente que os elementos são acessórios importantes, como a volatização do álcool e a fumaça do charuto, que servem como potentes desintegradores dos miasmas e das negatividades dos consulentes [nos terreiros em que não se faz uso do álcool e do charuto, naturalmente, a defumação coletiva e os curiadores dispostos no congá determinam o mesmo efeito].

Outra questão polêmica recorrente é a famosa “surra de santo”. Claro está que a Umbanda tem um método de persuasão mediúnica bastante peculiar para os potenciais médiuns, ainda resistentes em assumir suas tarefas.

Certa vez, estávamos em um trabalho de cachoeira, e uma amiga espírita [kardecista] que tinha ido assistir, a convite, mostrou-se bastante cética em relação à intensidade das incorporações, duvidando de que o gestual e a dança fossem necessários, dizendo que aquilo era um condicionamento dos médiuns.

Repentinamente, ela começou a ficar branca, com a mão geladíssima e a respiração ofegante. O couro retumbava nos tambores, e iniciou-se um ponto cantado de Iansã. Nossa amiga incrédula saiu a rodopiar, como se fosse o próprio raio do Orixá, e entrou na água dançando, em transe mediúnico inconsciente.

Os cambones permaneceram atrás, para protegê-la de um possível escorregão. Com alto som e força nos pulmões, nossa amiga deu um grito:
- Epahei!

Em seguida, jogou o corpo para trás, voltando à sua consciência ordinária. Estupefata pelo fenômeno, com resignada, humildade, confessou ao guia-chefe que sempre tivera pânico de água e que fazia anos não entrava em rio ou mar. Pediu desculpas e disse que sabia muito pouco das coisas da Umbanda.

O que não sabíamos é que nossa dançarina molhada estava sendo chamada por uma cabocla de Iansã para assumir seu compromisso com a Umbanda, isso depois de trinta e e cinco anos de Espiritismo. Tudo a seu tempo, e hoje essa pessoa, é laboriosa e dedicada médium em outro terreiro.

Existe muita desinformação em relação à Umbanda e, infelizmente, muitas pessoas ganham dinheiro com a religião, aproveitando-se do medo de punição que colocam nos que entram em suas correntes, quando não fazem trabalhos de amarração, para que seus médiuns não se livrem tão fácil da famosa “surra de santo”, caso queiram abandoná-los ou trocar de terreiro.

Dia desses, uma consulente passou mal na consulta e nos foi encaminhada, como sempre acontece nessas ocorrências. Na ocasião, estávamos vibrados mediunicamente com caboclo Ventania, e se deu o seguinte diálogo entre a consulente e ele:

- Estou com sérios problemas de saúde. Após várias idas e vindas aos médicos e hospitais, uma bateria de exames, ressonâncias magnéticas, testes de esforço e checape geral, nada houve de conclusivo pela medicina até o momento. Sinto dores no corpo, repentina tontura, caio no chão, na rua, e me machuco. Estou cansada e não sei mais a quem pedir ajuda. Faz dois anos que abandonei a “Umbanda” por discordar dos sacrifícios animais e estou desconfiada de que esteja tomando “surra de santo”. Pergunto se isso é possível.

- Minha filha, possível é, mas nada tem a ver com a Umbanda. Sendo a Umbanda uma força que nos dá vida, é inexplicável praticá-la como algo que a tira. O que está havendo com sua mediunidade é que determinados espíritos estão agarrados em seus chacras e, em determinado momento do dia, quando a senhora está perambulando em ambientes de baixa vibração como, por exemplo, nas calçadas próximas a aglomerações humanas, onde os pensamentos profanos e angustiados se cruzam, encontram eles força para “tomar” seu psiquismo e seus chacras, sem sua licença.

- Como resolver isso, se eu não aceito voltar ao terreiro e fui ameaçada pelo babá, pois me disse que o santo não me largaria fácil e que eu iria apanhar e sofrer?

- Seu livre-arbítrio nesse caso é soberano, como uma águia que voa acima dos patos. Uma ameaça, quando não encontra sintonia no medo, torna-se pueril e sem maiores efeitos, qual raio que não atinge a terra. Ao não conseguir se desligar da imantação magística a que está submetida, que se fortalece por encontrar receio em seu coração, acaba sendo carrasco de si mesma fortalecendo aquele que a quer submissa. Embora existam alguns objetos pessoais seu de uso ritual que ficaram no antigo terreiro, por si só são inócuos, “placebos” mágicos, se não encontrarem em seu proprietário ligação mental. Afaste o medo e confie no Alto, que estará a meio passo da libertação.

- Eu posso pedir agô – liberdade – ao meu santo em outro terreiro?

- A liberdade de consciência é um direito seu inalienável que só pertence a você, a mais ninguém; não requer permissão, seja de quem for, muito menos dos santos. Os terreiros, templos, centros, igrejas, ilês, são meras construções terrenas que servem para despertar a confiança faltante nas criaturas amedrontadas, diante do temor atávico alimentado pelo “igrejismo”, ao longo dos anos, de não conseguirem se religar ao sagrado sozinhas. Lembra-se de Jesus, que se “verticalizava” com o Pai a qualquer momento e que nunca disse fora da igreja não há salvação. Se não existe essa confiança dentro de si, avalie sete vezes setenta para quem confiará sua caminhada espiritual, pois, se a subida solitária é árdua, a descida a dois é facílima; o que cai nunca cai sozinho e se agarra nas escoras rumo ao abismo.

- Estou frequentando o centro kardecista, mas os passes e as irradiações não estão surtindo efeito. Ao ir a uma cartomante, ela jogou as cartas e me falou tratar-se de “surra de santo”. Fui conversar com outra pessoa esotérica que joga búzios, e ele também confirmou na caída. Agora, como me convencerei de que meu problema de saúde não é de santo? Com aceitar ter que fazer obrigações pagas para acalmá-los? Estou desanimada e muito triste. Ajude-me!

- Com todo respeito aos irmãos de Kardec, o mero mentalismo espiritista não surtirá efeito no processo magístico em que está envolvida. Isso não quer dizer que deva deixar de ir ao centro kardequiano. Na verdade, as diferenças são dos homens, e o magnetismo peculiar à Umbanda poderá ajudá-la, exclusivamente por seu compromisso cármico nessa encarnação, já que veio vibrada para ser “cavalo” de terreiro. Seu problema é mediúnico, uma vez que se encontra em uma indução intensa por obsessão endereçada contra sua pessoa, por meio da magia negativa. Não precisa pagar nada neste terreirinho e tenha mais persistência de que o mundo não vai cair em sua cabeça, nema senhora vai morrer dessa vez. Tranquilize-se e confie. Antes de andar pagando a este ou aquele quiromante, segure suas moedas e tenha mais paciência, aprenda a esperar. O imediatismo nas respostas e o pronto-alívio são ilusões. Se não der continuidade ao menos a sete encontros com palestra, ritual do fogo e passe nessa choupana, que não lhe cobrará nada, nem imporá nenhuma obrigação, a não ser sua presença semanal na sessão, não encontrará facilmente seu reequilíbrio, a não ser que volte para o abraço do urso, caloroso, mas que pode quebrar suas costelas. Entendeu, filha afoita?

- Entendi, meu caboclo. Faz dois anos que estou à mercê disso, sete encontros só podem me fazer bem, pois o mal que vivo, maior do que se encontra, não pode ficar. Confio e me entrego a esse congá.

- Vai com Oxalá, minha filha. Que todos os Orixás abençoem e que Xangô olhe para sua fronte alquebrada. Tenha fé, que tudo vai se resolver.

Ao término dessa consulta, junto com o Caboclo Ventania, no Astral, estava uma falange de caboclos bugres, feiticeiros, comandada por caboclo Ubirajara Peito de Aço, que se preparava para a movimentação astral da noite. Pelo visto, a cobra ia fumar, e a coral piar a favor de nossa consulente, para ela não mais “apanhar de santo”.

Corta língua,
Corta mironga,
Corta lingua de falador.
Na sua espada não há embaraço.
Chegou Ubirajara do Peito de Aço.

Ele é caboclo,
Ele é flecheiro,
Bumba na calunga.
É matador de feiticeiro.
Bumba na calunga,
Quando eu vou firmar meu ponto.
Bumba na calunga,
Eu vou firmar é lá na Angola,
Bumba na calunga.

Arreia capangueiros,
Capangueiros da Jurema.
Arreia capangueiros,
Capangueiros Juremá.

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