sábado, 9 de fevereiro de 2013

A Imagem do Cristo

*Trecho extraído da obra: Causos de Umbanda Vol. 2 (autor: Leni Sawiscki e Espirito Vovó Benta)


"Todo aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens, eu o reconhecerei e confessarei também eu mesmo, diante de meu Pai que está nos céus; e todo aquele que me renegar diante dos homens, eu o renegarei também, eu mesmo, diante de meu Pai que estás nos céus".

A imagem do Cristo, iluminada por uma tênue luz azul-clara, destacava-se no alto do congá. Única imagem entre lírios brancos, alguidares com água, uma pedra ametista, velas e incensos. A alva toalha que caía até o chão sobrepunha as firmações aos protetores que davam segurança necessária à corrente mediúnica, bem como ao local.

Desde a fundação daquele templo de umbanda, sempre foi assim, porém agora chegava ao grupo um médium vindo de outra casa que questionava o dirigente sobre a presença da imagem representando Jesus. Para ele, Jesus não pertencia à corrente de umbanda e não tinha nenhuma coerência a sua imagem em destaque no congá.

O assunto já causava polêmica no meio dos médiuns, que formavam duas correntes distintas: uma a favor da imagem do Cristo, e outra que concordava em retirá-la. Por isso, criou-se no ambiente uma egrégora nada agradável, atrativo inevitável às entidades que fomentariam aquela situação de discórdia.

O dirigente que, a princípio, não se incomodou com o assunto e que, devido às suas inúmeras ocupações, não percebeu a extensão que aquela energia tomava no grupo, foi surpreendido com uma correspondência em sua caixa postal, onde um abaixo-assinado da maioria da corrente mediúnica exigia a retirada da imagem de Jesus.

Embora surpreso e contrariado, mas acostumado aos embates da vida, serenou sua mente e solicitou aos seus protetores que o iluminassem com a sabedoria para que pudesse resolver a situação sem macular ninguém.

Naquela noite, reuniram-se para a gira mensal de preto-velho. Tudo corria normalmente, até que um dos médiuns pertencente à corrente que estava contrária a permanência da imagem sentiu-se mal e, ao ser socorrido, incorporou de maneira inconsciente um quiumba que se arvorou de dono daquele aparelho, além de chefe de uma falange poderosa. Bradava que exigia a retirada daquela imagem do congá ou baixaria ali, nos médiuns, toda sua turma para acabar com aquele lugar.

Imediatamente, todos os pretos-velhos que se encontravam se movimentaram [...], imobilizaram aquele espírito confuso em suas crenças e atitudes, retirando-o do médium que desmaiou pelo choque energético a que se expôs.

Depois de voltar a ordem no terreiro, e sob olhar espantado de alguns médiuns, uma preta velha manifestou-se com toda a humildade e sabedoria:

- Saravá, zi fios! Negra velha sabe que os filhos da corrente se assustaram com a ameaça daquele irmão sofredor que se apresentou aqui. Mas alguém de vocês acaso se perguntou como ele conseguiu entrar neste local e tomar conta de um aparelho, formando tais ameaças? Não seria lugar e hora dos médiuns liberarem seus aparelhos para os pretos velhos atuarem através dos filhos para praticar a caridade? Devem estar se perguntando como é que nós, que atuamos deste lado, não evitamos a entrada de tais entidades aqui dentro. E eu lhes respondo que a luz só se faz onde existe combustível para sua permanência, e as trevas só atuam quando a luz se faz ausente. Cada filho da corrente escolhe se quer segurar a vela acesa e estar sujeito aos pingos quentes gotejarem sobre suas mãos, ou apagá-la para evitar queimaduras. Quando buscamos a vibração superior, temos proteção superior, da mesma forma, quando nos envolvemos em energias de baixo teor vibratório, nos adensamos, ficamos pesados e, consequentemente, afundamos, irmanando-nos aos iguais.

- Quando se criaram aqui dentro da corrente pensamentos de discórdia por um motivo tão fútil, ficaram expostos aos seres que espreitavam os filhos invigilantes. Que lhes importa se deve ou não existir a imagem de Jesus no congá? Ele ali representa apenas o que deveria estar gravado em vossos corações. Jesus não é da umbanda e nem de religião nenhuma desta terra. Como representante do Cristo Planetário, encarnou na Terra justamente para mostrar que os verdadeiramente grandes se fazem pequenos. Depois de Sua passagem pela terra, tantos irmãos já se digladiaram disputando sua imagem, ou vendendo-a vulgarmente. Independentemente do sincretismo, Jesus representa a energia vibratória de Oxalá, cuja luz desceu às trevas para iluminar as consciências. Negra velha tem se perguntado se valeu a pena tanto sacrifício por parte de nosso amado mestre Jesus. Terão valido a pena seus ensinamentos sobre o amor e o perdão?

Umbandistas ou não, somos antes filhos do mesmo Pai cujo amor nos brindou com a presença de Seu Filho maior. A nós, pequenos e ainda rastejantes seres, cabe aprender a não confundir ou julgar. Negra velha indaga ao coração dos filhos se é melhor ser um umbandista que respeita a Nosso Senhor Jesus Cristo e presta sua caridade, auxiliando a quem prescisa, ou um médium desarmonizado que fica aberto à entrada dos sofredores, precisando da caridade alheia.

E, largando seu aparelho, deu lugar ao povo d'água que vinha fazer a limpeza do terreiro.

Iansã...orixá de umbanda
Rainha de nosso congá
Saravá Iansã
Lá na Aruanda
Eparrei...Eparrei
Iansã venceu demanda!

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