Por: Gregorio Lucio
Cada prática terapêutica obedece a uma
concepção a respeito do ser humano. Na Umbanda, os aspectos do
binômio saúde-doença são identificados por meio de interpretações fornecidas
pelas concepções próprias acerca da realidade existencial dos seres, estando
vinculadas a uma linguagem (verbal e não-verbal) e a uma simbologia
características, as quais proporcionam a identificação dos estados doentios e
auxiliam no tratamento do paciente, tornando-se uma forma criativa e
complementar da terapêutica médica convencional.
Na Umbanda, entendemos a Individualidade como
sendo essencialmente de natureza Espiritual, vinculada às experiências que esta
tenha realizado ao longo de seu périplo carnal (sucessivas encarnações), tendo
como resultado de suas vivências anteriores (se mais ou menos felizes) as
disposições que irão influenciar, em termos de saúde-doença, a sua presente
encarnação.
Soma-se à isso, a compreensão
umbandista de que a Individualidade Espiritual - a qual somos cada um de nós -
manifesta-se como parte integrante de uma estrutura de relação existencial além
de Si-mesma. De tal sorte que os seres humanos, cada um de maneira particular,
está associado aos seus ancestrais espirituais e divinos, como sejam seus Guias,
Protetores e Orixás.
Assim, as vivências psíquicas do indivíduo
resultam não somente daquilo que seria próprio de um sujeito portador de uma
consciência centrada somente em si-mesmo, mas também como estando [a sua
consciência] situada num sistema mais amplo, sujeito a influências e atuações de
forças de origem transcendente, provindas do mundo espiritual, por meio dos
seres extra-físicos com as quais esteja vinculado.
É
uma demanda comum aos templos de Umbanda espalhados pelo país, a das pessoas
portadoras dos mais variados problemas, na área da saúde ou social, as quais
buscam o auxílio desta religião para a solução de suas queixas.
"No Brasil, o sincretismo de invocação religiosa,
os remédios, as simpatias, as rezas, fazem parte de um agir coerente em busca da
cura" (Andrade, 2005).
A precariedade das condições de vida e acesso
aos meios de tratamento das doenças, no passado, bem como a sempre presente
necessidade interior de ser entendida não somente como um complexo orgânico, mas
principalmente como individualidade transcendente/espiritual, levaram a grande
massa de pessoas a buscarem o socorro aos curandeiros, rezadores,
benzedeiros, médiuns (entre outros) de todas as épocas de nossa
sociedade.
No caso da Umbanda, o terreiro é um dos
pontos de vivência fundamentais na lide dos processos de saúde e cura do
indivíduo. Os templos religiosos fazem-se pontos centrais no processo de apoio
na busca do tratamento terapêutico. "Tais entidades e
suas crenças servem de base e de fator disseminador destas práticas de cura,
assim como estas as compõem fazendo parte de seus principais rituais e práticas"
(Andrade, 2005).
Sendo assim, a busca pelo contato com as Entidades
Espirituais, Guias e Protetores da Corrente Astral de Umbanda configura-se
como o recurso direto para a solução e a cura dos males variados na vivência
cotidiana dos pacientes. No rito umbandista, os seres vindos dos planos elevados
do mundo espiritual (a Aruanda), chegam à Terra (o terreiro) para trabalharem a
favor dos necessitados, os quais podem relacionarem-se de maneira direta com
estes, dirigindo-lhes seus pedidos e rogativas.
Cremos, como umbandista, que os desequilíbrios
manifestos no complexo psíquico/orgânico do indivíduo surgem em decorrência das
disfunções de ordem energética entre seus corpos espirituais, ocasionando a
quebra da homeostase, efetivando-se em desarmonias variadas. Tal mecanismo pode
ocorrer por conta de processos próprios do indivíduo, mediante ocorrências em
sua vida cotidiana, em seus aspectos psicológicos (complexos psíquicos,
conflitos existenciais, depressão, stresse, etc), bem como por aqueles de ordem
orgânica (males de ordem genética ou ocasionados por hábitos e vícios maléficos
à saúde, exposição a agentes externos, etc.). Da mesma forma, também a
vinculação à entidades espirituais de caráter negativo e perturbador (os
chamados obsessores, quiumbas, "encostos"), também surgem no rol das
circunstâncias que podem levar a desequilíbrios na área da saúde, segundo a
concepção umbandista.
Dentro deste contexto religioso, verificar-se-ão
as várias formas de tratamento e cura promovidos pelas práticas umbandistas,
como sejam os "benzimentos", os "passes", as "desobsessões", o "transporte", os
"ebós", os "banhos de folhas", as "defumações", entre outros.
A medicina convencional, primordialmente, irá
valer-se do tratamento dos sintomas por meio da diagnose e prognose adequadas,
administrando remédios e terapêuticas variadas com o intuito de dissipar a
doença, contribuindo com a melhoria na qualidade de vida do paciente.
A utilização de duas angulações
diferentes a respeito da realidade do indivíduo associa modalidades
diagnóstico-terapêuticas distintas, mas complementares.
Por fim, diremos que todo o Rito de Umbanda, é uma prática de cura, por meio da qual nossos Guias e Protetores, no simples ato de sua incorporação, trazem ao terreiro suas irradiações de Saúde e Harmonia, integrando-as no psiquismo e no organismo do médium, enquanto percorrem o congá, dançando ou caminhando, descarregam e limpam o ambiente, assim como atraem para si as entidades "negativas" - trazidas para tratamento - e desfazem os acúmulos de energias deletérias que porventura tenham se agregado por conta da irradiações de pensamento de todos quantos estejam presentes ao rito em condições de sofrimento e perturbação.
Toda a gira de Umbanda é curativa por excelência, pois
coloca-nos em contato com o Divino, fonte próspera e inesgotável de Felicidade e
Saúde, da qual cada um se alimentará mediante as suas possibilidades de
momento e condições de assimilação das experiências no campo do Sagrado, junto
aos nossos Orixás que irradiam sobre todos nós sua cobertura em forma de amor e
força interior para prosseguirmos em nossa jornada.
Saravá a todos!
Referências:
Andrade, J.T (2010). Ritos terapêuticos entre
rezadores no Grande Bom Jardim, em Fortaleza: persistência dos saberes
comunitários em saúde (artigo científico).
Zangari, Wellington (2008). Consciência, Saúde e
Psicologia Anomalística: o caso das interações anômalas de ação fisiológica à
distância (artigo científico).
Giglio-Jacquemot, Armelle (2006). Médicos do
Astral e Médicos da Terra. As relações da Umbanda com a Biomedicina (artigo
científico, Revista Mediações).
Jorge, E.F.C. (2008). O embate entre Medicina e
múltiplas artes de cura no Brasil - A inovação da Umbanda frente a esses saberes
(trabalho de conclusão de curso).
Mantovani, Alexandre (2006). A construção social
da cura em cultos umbandistas: estudo de caso em um terreiro de umbanda na
cidade de Ribeirão Preto - SP (tese de mestrado).
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