sábado, 9 de fevereiro de 2013

Exu e a Umbanda Branca


Por: Gregorio Lucio


“Casa que não tem esquerda, não tem firmeza”.
“Sem Exu não se faz nada!”.
“Quem protege a srta...é a Moça (pombagira)”...
“Você está passando por tal dificuldade, porque o Exu...está cobrando que você faça...”
“Quem guarda as portas (porteiras/tronqueiras, etc) dessa casa, é (são) o(s) Exu(s) tal...”



No meio umbandista, é muito comum ouvirmos esses tipos de jargões e discursos comuns, um tanto superficiais, a respeito da necessidade, tanto dos terreiros, de modo geral, quanto dos filhos-de-santo, em particular, de se cultuar a chamada “esquerda”.

Crença vinda do passado africano - bantu e yorubá - segundo a referência cultural daqueles povos e sua cosmovisão, sua mitopoese, era a de dar trato a Exu, como podemos ler em Beniste (1997). Isso porque Exu faz parte do panteão de divindades africanas, tomando parte em muitos de seus mitos, os quais foram utilizados por esses povos para compreenderem e lidarem com as questões da vida e da natureza, bem como transmitir, através das lendas e práticas culturais, ao longo das gerações, como ocorriam os processos da fertilidade, da virilidade sexual, a ocorrência da destruição e do caos, entre outros fatores observados ao longo da existência humana. Tudo isso, estaria sendo regido por essa Divindade Mágica e Mensageira entre os homens e os Orixás, conhecida como Exu.

Passada, posteriormente, aos Cultos de Nação e ao Candomblé, já aqui no Brasil, conforme podemos ler em Prandi (2000), essa crença em Exu, entre várias outras, foi fundamental como forma de preservação das raízes espirituais da cultura negra. As noções de Bem e Mal, na cultura africana, eram bastante diversas daquelas impostas a força pela Igreja Católica. Os Candomblés (do yorubá, “lugar de costumes negros”), como grandes centros de resistência cultural, perpetuaram aqui no Brasil as raízes que identificavam e evocavam a memória dos ancestrais africanos, buscando reintegrar nessa nova sociedade que se formava, a brasileira, seus costumes e tradições. Entre eles, a crença e o culto a Exu.

Exu passa, além de Orixá, divindade, a ganhar expressão por meio de manifestações mediunistas, pelas quais entidades astralizadas, ao assumirem o transe de seus médiuns, comunicavam-se diretamente com o público presente, dançando, comendo, bebendo, fumando, consultando. Faz-se presente neste novo contexto do imaginário religioso e assume, em diversas tradições (linhagens ou escolas) umbandistas um papel fundante em seus ritos, como elemento cultual presente em vários templos religiosos de cultura afro-brasileira.

Entretanto, com as primeiras manifestações religiosas que dariam surgimento à Umbanda, no final do século XIX até as primeiras décadas do século XX, há uma modificação no universo simbólico-religioso pertinente à cultura africana e indígena estabelecidas no Brasil. Há, neste novo fenômeno cultural-religioso, a inserção de novos elementos espirituais amalgamados e ressignificados dentro da Umbanda, os valores e práticas Cristãos, por meio daquilo que foi trazido, passível de ser absorvido, pelo Catolicismo e pelo Espiritismo-Cristão (popularmente conhecido como Kardecismo). Dessa forma, o mundo espiritual, dentro do contexto umbandista, passou a ser entendido de forma plural, com uma disposição de símbolos e interpretações possíveis da realidade espiritual, as quais variam quase que ao infinito, dando surgimento a diversas tradições (escolas) umbandistas.

Já não há mais somente a raiz negra, a raiz indígena ou raíz hindo-européia.

Há a conjunção dessas três culturas, a cultura brasileira, das quais são retiradas as suas simbologias e trabalhadas dentro de cada terreiro de Umbanda, de acordo com as possibilidades e conhecimentos do grupo de seguidores e, principalmente, das entidades que se manifestam para fundamentar as suas práticas dentro da seara Umbandista. Logo, essa visão pragmática de que é necessário trabalhar “desta ou daquela forma”, cultuar “essa ou aquela” divindade/entidade, se torna um discurso que não encontra adesão com a realidade cultural/espiritual da Umbanda. Tal é o caso do culto a Exu.

A falta de um sistema doutrinário na Umbanda, em conjunto com a falta de compreensão e saber, por parte dos adeptos umbandistas, a respeito de como lidar com uma realidade culturalmente diversa, leva a tentativa de consolidar as práticas em torno de um grupo de ritos em comum. A desculpa para a falta de conhecimento e os exageros de muitos terreiros e adeptos mal conduzidos, seria então a falta de uma estrutura doutrinária capaz de delimitar as possibilidades de culto e delinear os padrões de conduta dos seguidores. É o caso evidente da proposta do escritor Rubens Saraceni e os seus “livros doutrinários” de Umbanda. Dentro dessa doutrina, Exu tem lugar e todas as casas e tradições deveriam seguí-lo, por um “senso de unidade”.

Contudo, não podemos esquecer de que a Umbanda é uma forma livre e espontânea de manifestação e experimentação do Sagrado. Doutrinar a Umbanda, fechando-a em um círculo pragmático esvaziaria as possibilidades de crescimento e adaptação desse fenômeno religioso às necessidades dinâmicas da vida que se apresentam, no plano material e espiritual, nos dias atuais.

Fórmulas matemáticas e estratificadas de entender o mundo espiritual levam as pessoas a diminuirem as possibilidades de viver a espiritualidade umbandista e a criarem pontos fixos para determinar e compreender as práticas desta religião. Daí esses jargões e essa necessidade imaginária de cultuar a esquerda, se popularizarem.

A Umbanda faz parte do mundo de diversidades que hoje existe; a Umbanda, portanto, é também diversa.

Não há dúvida de que existem tradições umbandistas que se ligam mais aos aspectos africanistas estratificados em nossa cultura (caso da Umbanda Omolocô, Umbandomblé, Trançada...a própria Quimbanda). Mas também não devemos nos esquecer de que existem outras tradições que não se ligam a tais aspectos, justamente devido à pluralidade simbólica e diversificada de vivenciar e experimentar o Universo Espiritual. Portanto, há também as tradições que dispensam o culto a Exu e tudo aquilo que se refira a “esquerda”, e assim, interpretam de outra forma esses simbolos manifestos do universo espiritual...uma destas tradições é a Umbanda Branca, a Umbanda Cristã. Umbanda Branca que no contexto da diversidade cultural existente, não se faz melhor nem pior que as demais tradições (ou escolas) umbandistas. É, simplesmente, diferente.

Na Umbanda Branca, a esquerda é compreendida como a expressão do mundo espiritual inferior, ainda carecedor de esclarecimento e libertação do sofrimento. Exu e Pomba-Gira, Exu Mirim, etc...manifestam as expressões de espíritos ainda em condição de sofrimento e ignorância a respeito de suas condições íntimas... Suas memórias, relatadas em histórias pessoais, bem como suas expressões variadas, revelam perturbações no estado emocional, denotando qual a faixa de consciência e mentalidade destas entidades que, segundo essa linha de entendimento, carecem de adquirir uma identificação mais ampla e positiva com as Leis de Deus e a Realidade Espiritual, para depois atuarem como Guias e Mentores de Luz, seja de um indivíduo ou de uma coletividade.

Portanto, cada umbandista deve ter conhecimento da Umbanda de maneira geral, como fenômeno religioso presente em uma dada sociedade, bem como compreender os fundamentos simbólicos e espirituais da casa que frequentam...Por isso, para aqueles que seguem a Umbanda Branca...estejam certos: "sem Exu, pode-se fazer muita coisa...e como se pode!!"

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