sábado, 9 de fevereiro de 2013

Umbanda: Religião Brasileira

Por: Gregorio Lucio

Muito se tem discutido a respeito das origens da Umbanda. Muitos julgam que a Umbanda é uma religião nascida na África e importada para o Brasil ao longo do período da escravidão, o qual durou mais de 350 anos na história de nosso país. Entretanto, hoje sabemos, e isso já é fato constatado pelos historiadores, cientistas da religião, antropólogos e demais pesquisadores da Umbanda (desde Nina Rodrigues até Alexandre Cumino), que a Umbanda é um fenômeno religioso essencialmente brasileiro. 

Fora do contexto acadêmico e do âmbito da pesquisa histórica e científica, muitos acreditam e convencionam que a Umbanda seria uma religião revelada no dia 15 de novembro de 1908, pelo médium, sr. Zélio Fernandino de Moraes, o qual teria manifestado, neste dia mencionado, uma entidade espiritual chamada Caboclo das Sete Encruzilhadas (que na realidade, seria o Espírito do sacerdote jesuíta italiano desencarnado, Gabriel Malagrida) em uma reunião espírita (kardecista), ocorrida na Federação Espírita do Rio de Janeiro. Logo, a Umbanda teria seu início a partir de um escolhido e revelador (obedecendo, assim, a mesma estrutura de "mito de fundação" das demais religiões abraâmicas – o Judaísmo, o Catolicismo e o Islamismo). 

Outras pessoas, também fora do conhecimento acadêmico, e indo na direção do esoterismo, vêem a Umbanda como uma religião cósmica, detentora dos mais altos níveis do conhecimento humano (em suas esferas científica, religiosa, artística e filosófica). A Umbanda seria a portadora do Conhecimento Uno, provindo das mais antigas e míticas raças humanas “superdesenvolvidas” que teriam, supostamente, habitado a Terra (a Raça Vermelha e, posteriormente, os Atlantes e Lemurianos), cujas chaves de conhecimento teriam sido guardadas e veladas pelos Antigos Egípcios e no decorrer da história, haveria chegado ao Brasil por intermédio dos povos africanos e se juntado aos conhecimentos já existentes dos indígenas brasileiros. Seria essa a chamada Aumbandan. 

E, ainda, há aqueles que reputam à Umbanda, críticos que são, a pecha de uma simples seita, destituída de corpo doutrinário e senso racional, repleta de crenças e fetichismos, e que teria surgido como um processo de degradação das religiões praticadas pelas classes sociais dominantes (Catolicismo e Espiritismo, mais especificamente), ao longo do processo de desenvolvimento social dos centros urbanos das grandes cidades brasileiras (particularmente, São Paulo e Rio de Janeiro). 

Baseando-nos em conhecimentos trazidos pela pesquisa histórica de vários autores acadêmicos, estudiosos da Umbanda, podemos verificar que a Umbanda surgiu como um processo natural de re-invenção das práticas religiosas que existiam no Brasil e do imaginário religioso presente na nossa cultura popular. Esse imaginário, composto por uma série de crenças, símbolos, conhecimentos e práticas, teria surgido da conjugação das “coisas” vindas do Catolicismo Popular (trazido pelos Portugueses, com suas rezas, bênçãos, novenas, terços, romarias, etc.), da Pajelança (cultura religiosa indígena), do Espiritismo "kardecista" e da Cultura Africana. Isso tudo levado pela miscigenação de raças e culturas que ocorreu em nosso país, por ocasião da escravidão, a que foram submetidos os indígenas brasileiros e os negros africanos. Da fusão das raças, as crenças foram se misturando, exercendo maior ou menor influência umas sobre as outras, criando uma nova cultura, que já não era mais somente a cultura européia, a cultura indígena ou a cultura africana. Seria a nossa cultura, a brasileira, resultante da mescla destas três matrizes formadoras. 

Veremos também que mesmo antes de Zélio Fernandino de Moraes (ou seja, antes de 1908), já existiam outros que exerciam um trabalho espiritual em moldes muito próximos daquilo que hoje conhecemos como a Umbanda. Um exemplo desses, seria o sr Juca Rosa, que já desde 1860 (48 anos antes de Zélio), no Rio de Janeiro, constituiu uma forma de culto, contando inclusive com filhos e filhas iniciados por ele, e também atuava atendendo pessoas incorporando entidades espirituais, como o Pai Quilombo e Pai Zuza (pretos-velhos), assim como Pai Vencedor (possivelmente, um caboclo). Em São Paulo, na cidade de Sorocaba, lembramos o sr João de Camargo, filho de Nhá Chica (essa mesma que foi beatificada há meses atrás), o qual já em 1900 também construíra um culto muitíssimo parecido com a Umbanda de hoje (e será que já não era a Umbanda, mesmo?). João Camargo trabalhava com a entidade Caboclo Pena Branca e fundara, em 1906, um templo religioso chamado Igreja do Bom Jesus da Água Vermelha, também na cidade de Sorocaba. E, certamente, além destes, muitos outros, anônimos, também já estavam por aí, socorrendo e atendendo as pessoas sob a guarda de entidades espirituais que hoje fazem parte do universo religioso da Umbanda. Assim também, Bento José da Veiga e o Caboclo Cunguruçu (ou Canguruçu). 

Após isso é que surge Zélio Fernandino de Morais e o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Inclusive, a própria filha do sr Zélio de Morais, dona Zélia, revelou, em uma entrevista concedida a Francisco Rivas Neto, que Zélio Fernandino de Morais, quando menino, estivera muito doente e que seu pai, espírita kardecista, houvera encaminhado ele a sessões espíritas, nas quais haviam manifestações de espíritos de Caboclos, mas que não eram aceitas e compreendidas pelos dirigentes das reuniões espiritistas. Ainda doente, Zélio fora levado a uma rezadeira, chamada dona Cândida, a qual curou o então menino, por ação de uma entidade espiritual que por ela atuava, conhecida como Tio Antônio (preto-velho). 

Temos o marco da institucionalização da Umbanda, como sendo o ano de 1908, a partir de Zélio Fernandino de Morais, mas como já vimos, os nossos pretos-velhos e caboclos já vinham desde muitos anos antes fazendo a sua preparação para a oficialização e abertura definitiva das Leis de Umbanda, vindas do mundo espiritual para o mundo físico. Também não podemos deixar de citar outros baluartes da Umbanda, como o sr Benjamim Figueiredo (fundador da Tenda Espírita Mirim) médium do Caboclo Mirim, W.W. da Matta e Silva e Pai Guiné (fundadores da tradição da Umbanda Esotérica), Félix do Nascente Pinto (fundador do Primado de Umbanda), assim como Tancredo da Silva Pinto (fundador da tradição da Umbanda Omolocô), entre outros. 

Naturalmente, do ponto de vista espiritual, os Espíritos Superiores Regentes das Correntes Espirituais que formam as Legiões de Trabalhadores da Umbanda, já conheciam o Plano Divino para dar surgimento a essa nova religião que estava se formando, e então programaram a orientação e o direcionamento destes Espíritos (caboclos e pretos-velhos) afins à faixa vibratória brasileira (cada país tem um plano espiritual característico ao seu povo e sua cultura), os quais passaram a se colocar em contato com o "mundo terreno" para contribuir com as necessidades espirituais, psicológicas e sociais daqueles que, a pouco e pouco, tornaram-se adeptos da Umbanda e de seu universo espiritual. 

A singeleza , a doçura e força da Umbanda estão justamente na naturalidade em que ela se propõe a oferecer abrigo àqueles que buscam uma vivência religiosa em contato direto com o Sagrado através do Transe (não necessariamente mediunista), na relação com as Entidades Espirituais, em que o indivíduo pode ser participante da comunidade religiosa, exercitar a solidariedade, a tão falada caridade, e experienciar em si mesmo os efeitos salutares da conduta direcionada para a ética e a responsabilidade, para o contato com a natureza e a ligação direta com a Divindade (Zambi, Olorum, Deus, etc.) nas mais diversas formas em que se apresente. 

Saravá a todos!

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