quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Kardecismo e Umbanda são iguais?


(extraído de www.umbandadenegoveio.blogspot.com)

Por: Gregorio Lucio

É certo que existem semelhanças entre a prática do espiritismo dito "kardecista" com determinadas práticas da Umbanda. No entanto, impera entre adeptos dessas duas correntes religiosas uma certa confusão no que se refere à distinção entre ambas, e em idéias errôneas  que implicam numa visão "kardequisada" da umbanda, como seja o entendimento de que esta seria uma corrente paralela ao Espiritismo (popularmente conhecido como Kardecismo), ou mesmo a de que a Umbanda seria uma espécie de sub-cultura religiosa produzida a partir de um processo de degeneração e miscigenação das práticas espíritas (daí o termo pejorativo "Baixo Espiritismo").


Bem, a questão fundamental para podermos distinguir a Umbanda do Kardecismo (permita-me o leitor a utilização do termo popular quando referir-me ao Espiritismo),  é primeiro a de encontrarmos quais são os aspectos que poderíamos relacionar como sendo semelhantes entre ambos e após isso chegarmos a sua distinção.

Sendo assim, podemos a priori relacionar como semelhanças:

1º Crença em Deus;
2º Crença na Imortalidade do Indivíduo;
3º Crença na Reencarnação;
4º Crença na existência de Espíritos;
5º Crença na possibilidade da Comunicação dos Espíritos por meio do fenômeno mediúnico.

Acreditamos serem estes 5 aspectos que encontram-se, em termos de similaridade, entre a visão "kardecista" e umbandista. Obviamente, não elencaremos aqui os princípios éticos e morais (amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, a caridade, o respeito pelo próximo, a consciência do dever e da responsabilidade, a conduta de vida que busca a abstenção de vícios e práticas mundanas, etc), pois estes constituem o corolário de todas as religiões do mundo, mesmo que ensinados e transmitidos de maneira culturalmente diversa.

Partindo agora para as diferenças entre Kardecismo e Umbanda, iremos direto a uma questão central e para isso nos utilizaremos de três questões da obra intitulada O Livro dos Espíritos, do respeitável e eminente prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec, codificador da Doutrina dos Espíritos, vinda de França para o Brasil. Lembramos que esta obra constitui a pedra angular do pensamento espírita. Vamos as questões:

Questão 553 : Qual pode ser o efeito de fórmulas e práticas com ajuda das quais certas pessoas pretendem dispor da vontade dos Espíritos?
Resp: O efeito de torná-las ridículas se são de boa-fé; caso contrário, são patifes que merecem um castigo. Todas as fórmulas são enganosas; não há nenhuma palavra sacramental, nenhum sinal cabalístico, nenhum talismã que tenha uma ação sobre os Espíritos, porque estes são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.

- Certos Espíritos não têm, eles mesmos, algumas vezes, ditado fórmulas cabalísticas?
Resp: Sim, tendes Espíritos que vos indicam sinais, palavras bizarras ou que vos prescrevem certos atos com a ajuda dos quais fazeis o que chamais de conjuração. Mas estejais bem seguros que são Espíritos que zombam de vós e abusam da vossa credulidade.

Questão 554: Aquele que, errado ou certo, tem confiança no que chama virtude de um talismã, não pode por essa confiança mesma atrair um Espírito, porque, então, é o pensamento que age? O talismã não é senão um sinal que ajuda a dirigir o pensamento?
Resp: É verdade, mas a natureza do Espírito atraído depende da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos. Ora, é raro que aquele que é tão simples para crer na virtude de um talismã não tenha objetivo mais material que moral. Em todos os casos isso denuncia uma baixeza e uma fraqueza de idéias, que o expõe aos Espíritos imperfeitos e zombeteiros.

Questão 555: Que sentido se deve dar à qualificação de feiticeiro?
Resp: Aqueles a quem chamais feiticeiros são pessoas, quando de boa-fé, dotadas de certas faculdades, como a força magnética ou a segunda vista. Então, como eles fazem coisas que não compreendeis, os acreditais dotadas de uma força sobrenatural. Vossos sábios, frequentemente, não passam por feiticeiros aos olhos das pessoas ignorantes?
(Capítulo IX do Livro Segundo - Intervenção dos Espíritos no Mundo Corporal)

Diante das questões expostas acima, vemos claramente o posicionamento do Espiritismo no que se refere a sua maneira de entender a relação com o mundo espiritual, a qual confronta diretamente as práticas ritualísticas e magísticas da Umbanda (obviamente a intenção de Kardec e dos Espíritos não era criticar a Umbanda, até porque nem creio que eles soubessem da existência de práticas espirituais que viriam a se constituir na Umbanda..sim, eles...não creio que os "Espíritos do Espiritismo" sabem e conhecem tudo e a todos).

Começando pelo fato de que na Umbanda nos utilizamos de rituais (as giras estão fundamentadas em rito-liturgias), de signos cabalísticos (pontos riscados, cruzes, triângulos, estrelas, etc), de talismãs (patuás, guias, etc), assim como utilizamo-nos da palavra e do som para congregarmos forças espirituais (a curimba, constituída de pontos cantados, toque de atabaques, etc), vemos que ai já estão as características fundamentais da prática umbandista, as quais a distinguem drasticamente do "Kardecismo".

Há aqueles, mesmo adeptos da Umbanda, que admitem a utilização das práticas ritualísticas, bem como os recursos simbólicos e mágicos utilizados nas giras, como sendo meros pontos de apoio e direcionamento da intenção...corroborando, dessa forma, com a concepção de que estes seriam somente "muletas psicológicas" para a produção de determinado efeito.

No entanto, segundo nosso parecer, não consideramos como simples recursos de apoio, as simbologias e ritualísticas umbandistas, embora uma análise superficial a respeito destes aspectos possa levar a crer nisso. Ao contrário, as práticas umbandistas preconizam sempre uma inter-relação direta e não bipartida da realidade espiritual.

O mundo dito material ou corpóreo é manifestação da realidade espiritual, e, por conseguinte, pela simbologia mágica e ritualística podemos influenciar e movimentar forças (as quais não são enquadradas dentro daquelas conhecidas pela ciência) que desencadeiam reações na realidade "material", como é o caso da cura de determinadas doenças que ocorrem num trabalho de terreiro, quebrando o paradigma da ciência, o qual ainda não encontra explicações conclusivas a respeito (de como forças ou aspectos não-fisicos interferem em processos físicos).

Ademais, é sempre importante lembrar que as práticas ritualísticas da Umbanda, as firmezas que existem numa tenda de umbanda, as práticas recomendadas para o corpo de médiuns, suas proteções, benzimentos, banhos, defumações, cruzamentos, pontos cantados, riscados, etc...são essencialmente trazidos e transmitidos pelas Entidades Espirituais responsáveis pela coletividade de cada templo em particular, e pela faixa espiritual da Umbanda como um todo. Admitir que esses recursos são meros apoios de menor importância, é também admitir que nossos Guias e Mentores são Espíritos Ignorantes ou Zombeteiros, bem como seus adeptos também o seriam. E isso também é um outro aspecto errôneo, o qual podemos verificar na vivência da prática religiosa, no "dia-a-dia de terreiro", em cujo meio, no contato com as entidades espirituais, reconhecemo-las como Espíritos de grande sabedoria, conhecimento e simplicidade.

Não estamos aqui dizendo que devamos aceitar tudo o que os Espíritos nos trazem, de maneira indiscriminada e tola. Isso porque é inegável que existem em determinados núcleos dito "umbandistas" práticas exageradas e esdrúxulas, as quais suscitam estranheza até mesmo entre o próprio meio umbandista. No entanto, devemos avaliar a atitude e a mensagem daqueles que buscam trazer seus conselhos, suas mirongas, suas firmezas...Somente assim podemos avaliar a natureza e a intenção de determinados Espíritos. Da mesma maneira como faríamos com qualquer pessoa que chegasse até nós a fim de nos trazer uma mensagem ou um conselho. Usar sempre o bom senso.

Importa ainda considerar que não devemos nos pautar na visão "kardecista" para lastrear ou basear nossa prática religiosa como umbandistas. Isso porque o "kardecismo" não dispõe de uma visão adequada (não dispõe de uma visão êmica) para entender o universo espiritual pertinente a Umbanda. Por uma razão óbvia: o Espiritismo foi concebido na França, em uma cultura extremamente diversa, num meio intelectual e "cientificista", sendo toda a sua proposta filosófica e metodológica assentada sobre os discursos e a visão de mundo pertinentes àquela época, naquele país.

Para finalizar, gostaríamos de ressaltar aqui que as opiniões grassadas no texto são particulares, não representam a idéia de nenhuma coletividade ou instituição em específico, tão pouco tem a intenção de outorgar-se a Verdade. Da mesma forma, nosso respeito é incondicional a todas as correntes religiosas, e em específico ao próprio Espiritismo (do qual fomos, somos e seremos sempre admiradores e estudiosos, apesar de nossa crença estar situada nas lides da Umbanda).

Saravá a todos!

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